Transcorria o ano de 1964 ou 1965. Não mais, não menos. Eu, um garoto de sete ou oito anos de idade, trazia no rosto um caroço arroxeado que os leigos diziam tratar-se de um “lombinho”. Minha mãe apressou-se a procurar um médico, e o melhor e mais próximo destino seria em Bom Jesus da Lapa. Para nós, santa-marienses, Lapa do Bom Jesus ou simplesmente Lapa. Mas como chegar até lá, se tudo era muito difícil naquela época? E viajar, principalmente.
Dizem que “doença não espera”, portanto, teríamos mesmo que ir e as opções eram de carro, por precaríssima estrada de rodagem “comendo” poeira o tempo todo, ou de lancha, através do Rio Corrente. Meus pais elegeram a segunda opção, acertadamente. E, numa tarde, por volta da quatro horas, partimos na Lancha Nanci, de seu Pedrinho, para nós, os mais novos, ou Pedro de Silvina, para meu pai, Tião Sapateiro, seu amigo de infância.
O local da saída foi de um pequeno porto no Jardim Fifa, onde já havia sido residência de Manoel Bodeiro, ladeada pelas casas de Josefina Borba e de Pulu (todas demolidas), em frente a atual Associarte, outrora Museu Guarany, Açougue Municipal, Escolas Reunidas Nossa Senhora das Vitórias etc. A viagem, rio abaixo, foi tranquila. Chegamos a Bom Jesus da Lapa no rosicler matinal.
Apenas para registrar, no fundo da casa de Manoel Bodeiro, havia um tamarindeiro, que cheguei a conhecer, denominado Tamarindeiro de Baixo, já que o atual, o do barco, era conhecido por Tamarindeiro de Cima, a tomar por referência o sentido que correm as águas do Rio Corrente.
Quanto à cirurgia a que fui submetido, tudo ocorreu bem. O responsável por ela foi um médico por nome Dr. Milton, tendo minha mãe a ajuda de Alírio Moreira, funcionário do extinto Baneb, pai das médicas Cássia e Rejane, além de Alírio Júnior e Serginho, que se hospedava no Hotel Bom Jesus, onde também ficamos.
E a volta da Lapa? Esta foi de Jeep, um terror, quase morri de tanto lançar, como diz meu pai, isto é, vomitar. Um velhinho, que conosco viajava e retornava de pagamento de promessa ao Senhor Bom Jesus, socorreu-nos com paçoca de carne seca, que trazia num embornal. Além de um cafezinho amargo feito por ele na beira da estrada. Foi minha salvação. Sobrevivi, graças ao Bom Jesus!
E agora, onde pretendo chegar com esta crônica? A resposta está num personagem já citado: Pedro de Silvina ou Seu Pedrinho da Lancha. Pois bem, desde menino cultivo amizade com um de seus filhos, Argemirinho, e suas filhas Nanci e Nair. Seu Pedrinho morava numa casa de calçada alta na Rua Teixeira de Freitas, onde fica atualmente a Taga Modas, em frente ao Ponto Cidadão, que já foi depósito de cereais e o Cine Texas, próximo ao Bar de Tõi, também, no passado, Bar Bola Branca, de Tõi de Agostinho (Antônio Fé). A citada rua era, à época, um formidável areal onde brincávamos.
Seu Pedrinho, na década de 1990, em dia e mês incertos, disse-me que tinha um presente para me dar. Fui até a casa dele, quando me brindou com uma foto histórica de um time de futebol santa-mariense por nome Ypiranga, datada de 2 de julho de 1945, na qual aparecem, além dele, o poeta temporão Osias Almeida, meu tio, razão porque resolveu fazer-me este mimo. Esta foto foi verdadeiramente o motivo principal que me levou à feitura desta crônica.
Por que esta foto de 71 anos me pareceu tão importante assim? Primeiramente, porque deve ser um dos primeiros registros fotográficos de um time de futebol de nossa cidade, provavelmente feito pelo fotógrafo Jesuíno. Segundo, por que, até onde pude apurar, apenas um dos jogadores, à época com 19 anos, Ninho Piçarra, ainda está entre nós, lúcido e com saúde boa, aos 91 anos de idade (apenas uma “inversãozinha boba” de algarismos!) completados no primeiro dia deste ano de 2017.
Novais Neto e Ninho Piçarra. Foto: Merivalda, filha de Ninho, em frente à sua residência. Fev. 2017. |
Quando Seu Pedrinho me deu o retrato, identificou todas as pessoas, mas eu não me recordava onde havia guardado o papel com os nomes, por isso abusei das memórias de Tião Sapateiro (87 anos), Ninho Piçarra (91), Quinca Coimbra (92), Protógenes Braga (83), Eduardo da Philarmônica Seis de Outubro (75), Seu Henrique (96) e o “menino” Tutes (70 anos), entre o final de 2016 e início de 2017, quando estive em Santa Maria. Felizmente, encontrei o tal papel com as devidas e incontestes anotações, o que serviu para dirimir algumas dúvidas persistentes.
Na minha última visita a Santa Maria e, a olhar a foto, pensei em fazer um tributo aos nossos atletas do passado, fazendo com que jogadores de hoje imitassem suas poses. E foi o que fiz. Estive no Estádio Turibão algumas vezes e, com a permissão de Delton, presidente da Liga Desportiva Santa-Mariense (LDS), o apoio de José Pereira da Silva, Bidika e do trio de arbitragem, alguns times foram fotografados com as poses propostas.
Optei pela foto do time do Malvão, visto que as posturas corporais dos seus atletas mais se assemelharam às poses dos ypiranguenses. Preferi também, para não contrastar tanto, por uma foto em preto e branco. Vale registrar que amarelo e preto são as cores reais do Malvão, como também são as do time do Ypiranga, da Capital baiana, apelidado “o mais querido”, cujos torcedores são denominados ypiranguenses ou aurinegros.
Eis, por fim, os nomes dos jogadores, de ontem e de hoje, homenageados, e demais pessoas.
Esporte Clube Ypiranga. Santa Maria da Vitória. Foto: Jesuíno. 1945. |
Esporte Clube Malvão. Santa Maria da Vitória. Foto: Reinilton Souza. 2016. |
Santa Maria da Vitória (BA), 31 de julho de 2017.
Em tempo: Esta crônica foi publicada no Jornal O Porto, Santa Maria da Vitória. Edição Julho-2017. p. 15. (Este número teve tiragem reduzida e sua distribuição aconteceu apenas nas cidades de Santa Maria da Vitória e São Félix do Coribe, razão porque achei por bem republicá-la neste blog. Quanto às pessoas aqui citadas, vale registrar que Quinca Coimbra já havia falecido em 7/2/2017, quando a edição do jornal foi a público, e Ninho Piçarra completou 94 anos em 1/1/2020).
É isso amigo registros que fazem histórias, e nos trás felicidades
ResponderExcluirObrigado. Grande abraço.
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirRecordar é viver, já diziam nossos pais. Sim, é reviver o passado de uma infância feliz, trazendo a tona "causos" que foram marcantes e determinantes da nossa personalidade. Viajei no tempo, claro que do mesmo ponto de partida que você, meu caro amigo poeta, mas tomei outros destinos. Obrigada pela "deixa".
ResponderExcluirBom dia, Rita. Obrigado. Grande abraço.
ExcluirAdoro ler suas postagens. As lembranças, mantém a mente viva. Nunca, ouvi falar de paçoca de carne seca. Bj
ResponderExcluirBela recordação meu amigo, feliz por citar a minha Querida, Guerreira e Saudosa mãe Josefina, muitas recordações desse lugar onde morávamos e a felicidade foi muito grande, lembro muito bem do Sr Pulu e Mandoel Bodeiro. Abraço.
ResponderExcluirMaravilha Novais! Q registro! Esse é o esporte, que a todos apaixona, em qualquer cantinho que seja jogado.
ResponderExcluirParabéns pela belíssima homenagem e memória, aos jogadores e cidadãos; pioneiros Santa-Marienses, na emocionante arte do jogo de futebol.
Parabéns pelo resgate da história. Tempos difíceis.
ResponderExcluirParabéns Novais,pela história linda. Essa foto maravilhosa de um passado marcante! Sou filha do Gil Piçarra o número 3 do Ipiranga. Muito obrigada!!
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