sábado, 19 de setembro de 2020

Crônica para um nome unissex

Ser detentor de nome utilizado tanto para homem quanto para mulher pode trazer alguns contratempos ou motivar gracejos. Confiram e divirtam-se. 

Está escrito na minha Certidão de Nascimento: Adnil Novais Neto, que deveria ser Adnyl Novais Neves Neto, homenagem a meu avo paterno. O registro foi lavrado pela oficial de cartório Elza Gonçalves Rocha, Dona Zazinha, em Santa Maria da Vitória, no dia 28/4/1961. Há época, eu já contava mais de três anos de idade. Tudo feito em letra cursiva, legível e bonita, para que não houvesse dúvida quanto à grafia correta. Porém, nem isso, ao que pude constatar no transcurso dos anos, bastou.

Desde que entrei para a escola, já assinei meu nome de diversas formas: Adenil Novais Neto, Adinil Novais Neto e Adenil Novais Neves. Pelo que se observa, apenas o Novais prevaleceu (até hoje!). Somente quando ingressei no Ginásio (1971) e tive que apresentar a Certidão para a professora Nenza Novaes, é que passei a escrever corretamente meu nome: Adnil Novais Neto.

Adenil Novais Neto, primeiro ano primário, aluno de Rosa Magalhães. 1967. Acervo do autor.

Adinil Novais Neto, primeiro ano primário, aluno de Rosa Magalhães. 1967. Acervo do autor.
































Adenil Novais Neto, terceiro ano primário, aluno de Elde Suely Bueno. 1969. Acervo do autor.



















Adenil Novais Neves, quarto ano primário, aluno de Dilza Borges Soares. 1970. Acervo do autor.
Meu tio, Osias Almeida, juiz de futebol, poeta temporão, cidadão letrado, santa-mariense de inteligência sempre lembrada por seus contemporâneos, preferiu chamar-me apenas por Novais. É que ele via em Adnil um nome de eufonia pouco impactante, além de ser utilizado para nominar homens e mulheres. E assim fiquei conhecido.

E foi certamente pela última razão, por ter nome unissex, que passei por momentos até divertidos, e por outros, nem tanto. Na época de ginasiano, quando, numa brincadeira de ler os nomes dos colegas de trás para frente, acabaram por descobrir (para azar meu) que Adnil virava lindA. Porém, confesso, isso não me perturbou em nada, sempre procurei tirar de letra, levar na esportiva.

Ao entrar para a faculdade, aí sim, a situação foi meio complicada. Recebi uma carta registrada da Universidade Federal da Bahia (UFBA) informando que eu não poderia colar grau porque havia perdido, por falta, em Educação Física. Fiquei assustado, pois estava dispensado dessa disciplina, uma vez que trabalhava e sempre apresentei em todos os semestres atestado comprobatório. Um detalhe, porém, no destinatário da missiva, despertou-me atenção, o que me tranquilizou, de certa forma, porque estava grafado Srª. Adnil, fato que poderia, de antemão, evidenciar algum engano.

Fui à Secretaria Geral de Cursos para saber o que se passava e lá os servidores da UFBA acabaram por descobrir que meu nome não constava na lista de frequência dos homens, mas, das mulheres. Por esta razão, concluíram que meus atestados não poderiam, jamais, chegar às mãos do educador físico correto. Tudo, no entanto, foi corrigido a tempo para se chegar a um final feliz.

Por curiosidade, dia desses, andei a pesquisar meu nome no Google e acabei por descobrir alguns e algumas Adnis, como Adnil Maria, Adnil Regina, Adnil Sônia, porém não vi nenhum Adnil com um segundo nome indiscutivelmente masculino, a torná-lo composto, como, por exemplo, Adnil Manoel ou Adnil Joaquim, o que seria até uma boa opção para mim, vez que estaria a homenagear minha ascendência portuguesa por parte de minha mãe, Jandira Affonso de Almeida, cujo trisavô, André Affonso de Oliveira, é originário da Cidade do Porto, em Portugal.

Ainda como resultado dessa pesquisa no Google, pude constatar que Adnil tem origem hebraica, sendo uma possível variação de Adiel, que significa “meu adorno é Deus”. Já um antigo radialista da Rádio Bandeirantes, Hélio Ribeiro, da década de 1970, no seu programa “O Poder da Mensagem”, ao responder carta minha, disse o seguinte: “Este programa, que muito nos honra e envaidece, é ouvido em Santa Maria da Vitória, na Bahia, por Adnil Novais Neto, que quer saber a origem e significado do seu nome.” — e continuou — “Adnil vem de Adelino, de origem germânica, que significa ‘serpente nobre, serpente da nobreza’”. Pronto! E agora? Sou adorno ou sou serpente?

Por outro lado, talvez por falta de um segundo nome, mesmo havendo um “Neto” no final do meu, o que — em tese — poderia ajudar a definir o gênero masculino, para evitar gafe, não ajuda em nada ou é solenemente ignorado, principalmente, quando alguém que não me conhece, me telefona, o que acontece frequentemente com operadores de telemarketing, cujo diálogo começa quase sempre com o mesmo script:

— Por favor, gostaria de falar com a senhora Adnil — ao que prontamente respondo, sem demonstrar estranheza:

— A senhora Adnil não está no momento. Quem fala aqui é o marido dela, que sou eu, Adnil Novais. Pode continuar, por favor...

Do outro lado, percebo muitas vezes titubeio na voz de quem fez a ligação, que precipita a pedir-me desculpas e noutras tantas vezes, simplesmente, desliga, pensando tratar-se de algum brincalhão — o que não deixa de sê-lo, claro — a fazer gracinha, como normalmente dizemos.

Outro episódio risível aconteceu no final de ano de 2016, quando certo mensageiro deixou na Gerência da Transalvador, Autarquia onde trabalho, com minha colega Cátia Fernandes alguns livros a mim destinados com os seguintes dizeres: “Cara Senhora Adnil Novaes”. Evidentemente que tais palavras me fizeram um “saco de risada” para meus colegas. E com toda razão! Eu riria também!

Papel colado no envelope contendo os livros enviados por Everaldo Augusto. 2016.
Este acontecimento e os demais, acreditem, em nada me chateiam, pelo contrário, até instigam-me a tecer crônicas e mais crônicas. Quanto ao deslize no nome do destinatário dos livros, que também não me indigna, credita-se a assessor menos atento, jamais ao amigo Everaldo Augusto, o remetente, ex-colega do Cursinho Status e do antigo Banco do Estado da Bahia, e destacado ex-vereador soteropolitano, que me presenteou alguns bons exemplares de escritores baianos, pelo que lhe agradeci.

Em tempo:

Antes de publicar esta crônica, enviei-a para apreciação de Everaldo Augusto que, de forma divertida e bem humorada, me respondeu:

Ainda bem que você não é um coronel das barrancas do Rio Corrente, caso fosse, eu estaria em maus lençóis, e esse meu assessor estaria fugindo da Bahia.

Desculpe, meu amigo, vou reclamar com o assessor desassuntado.

Adorei a crônica. Parabéns. Feliz Natal. Abraços.

Salvador (BA), 23/12/2016.


sábado, 5 de setembro de 2020

Dirce de Assis e o carranqueiro Guarany

Na década de 1970, Dirce esteve em Santa Maria da Vitória para conhecer o Mestre Guarany. Descubra quem é Dirce e se surpreenda.

Finalzinho de tarde de um dia qualquer do ano de 2019, temperatura um pouco mais amena, depois de um dia inteirinho de Sol tinindo, estou eu defronte sua casa. Bato duas ou três vezes no portão de ferro ainda bastante quente, olho pela greta entre aquele e a parede, e chamo somente para reforçar:

— Jairo Rodrigues, tem gente! E é de paz!

— Já tô indo abrir o portão, companheiro.

Novais Neto e Jairo Rodrigues. 2020. Foto (selfie): Novais Neto.
Sem demora, ele aparece nu da cintura para cima com um chapéu de palha surrado na cabeça e uma mangueira, aberta, na mão direita, que passa à esquerda. Depois de me cumprimentar efusivamente, ajeita a barbicha há décadas cultivada, enrola as pontas do bigode à Salvador Dalí e, com um largo sorriso que lhe é próprio, me convida:

— Vamos entrar, companheiro poeta. Só vou terminar de molhar as plantas, rapidinho... — e emendou a conversa sem mais nem menos:

— Ganhei um livro de presente de um amigo de Barreiras e quero lhe mostrar. Fiquei abismado com a descoberta!

Entrei e fiquei por ali mesmo a curiar, assuntando tudo, sentado num banco tosco já bem carcomido pelo tempo, a vê-lo terminar a empreitada de molhação de plantas, que habitualmente faz nos fins de tarde. Finda a tarefa de jardinagem, lá vem Jairo com um livro na mão, página já demarcada e me pede que leia. E sem pressa alguma, foi preparar um café com rapadura. O livro é “O Velho Chico ou A vida é amável”, escrito por Dirce de Assis Cavalcanti.

Sem demora, Jairo retorna com a parafernália do café, isto é, com a cheirosa “solução aquosa de rubiácea”. Bastante eufórico, quase a gaguejar, confessou-me ter gostado da obra por três motivos: o primeiro é que a autora, que esteve em Santa Maria em 1975, disse ter amado a cidade e sua gente; o outro é que ela foi lá especialmente para conhecer Guarany, de quem Jairo é guardião de suas ferramentas de trabalho e documentos, e profundo conhecedor da obra do mestre das carrancas; e o terceiro e último motivo refere-se ao prenome da escritora, o mesmo da sua mãe, Dirce. Digo melhor, Dirce de Vavá de Cirilo, para não fugir à regra dos originais apelidos interioranos.

Livro O Velho Chico ou A vida é amável (1998) / Dirce de Assis Cavalcanti / Livro O pai (1990).
Li, reli, trili e assino embaixo. Jairo está coberto de razão. No entanto, dentre os motivos por ele elencados, excluo o último, já que o nome da minha mãe é Jandira (de Tião Sapateiro) e não Dirce, e o substituo por outro: a autora afirma ter feito várias fotos da cidade, inclusive da antiga feira ainda na Praça dos Afonsos, e tenho eu particular interesse nesses registros fotográficos da década de 1970.

E mais ainda. E principalmente: lembrar à renomada escritora da promessa que lhe teria feito o Mestre Guarany, segundo ela mesma conta em seu em livro “O Velho Chico ou A vida é amável”, de que viveria até os 100 anos. Resultado: Seu Guarany não somente cumpriu o dejúrio, mas foi além dele, chegou aos 103 anos.

Guarany pelos traços de Jairo Rodrigues (1982) / Guarany. Foto: Tião Fotógrafo (1983).
Um fato trivial abordado pela escritora foi ter conhecido uma figura muito gentil, morador ao lado da casa Seu Guarany, na antiga Rua das Flores (Rua dos Doídos), pintor de paredes, letreiros, calendários, quadros e barcos, que testava suas tintas na janela da própria casa. Como Dirce é também artista plástica, pensou comprar a janela do pintor, “sua maior obra”, porque a achou kitsch, mas o homem certamente não venderia “um naco da sua casa”. E a negociata ficou apenas na intenção da artista.

Este pintor por ela referido é, certamente, depois de verificações feitas por parte de Jairo Rodrigues e Hermes Novais, João Pereira de Souza, mais conhecido por João Mandhoca (assim mesmo, para ser fiel à pronúncia da minha terra, e não Mandioca), que era analfabeto, no entanto abria (desenhava) letreiros em barcos e casas comerciais em Santa Maria e cidades circunvizinhas.

Depois da leitura, do café com biscoito frito e de um bom bate-papo, já estava na hora de voltar para casa, afinal, acabara de receber intimação materna, via celular. E já como nos conhecemos há muito tempo, bem sabemos que a despedida de Jairo dura o dobro do tempo das conversas, porque um papo sempre puxa outro e outro, e ninguém arreda pé. No entanto, nos despedimos assim mesmo.

De volta a Salvador, adquiri o livro através de site da Internet e aguardei a chegada. Nesse ínterim, pesquisei sobre a escritora, visto meu interesse pelas fotos, o que já dito. Qual não foi minha surpresa ao descobrir que Dirce é filha de Maria Antonieta de Araújo Jorge com Dilermando Cândido de Assis, o homem que matou Euclides da Cunha, autor de “Os Sertões”, como também o filho deste, Euclides da Cunha Filho. Antonieta, segunda esposa de Dilermando, é prima J. G. de Araújo Jorge, o festejado Poeta do Povo e da Mocidade.

O primeiro casamento de Dilermando foi com Ana da Cunha, viúva de Euclides, com quem já havia tido envolvimento amoroso, ele, há época, cadete do Exercito Brasileiro, com 17 anos de idade e ela com 33, o que culminou em crime passional, conhecido como “A Tragédia da Piedade”, após tentativa de assassinato por parte de Euclides, escritor membro da Academia Brasileira de Letras.

O casal se separou quando ele contava 50 anos. Dilermando relacionou-se em seguida com Antonieta, de cuja união vingou apenas Dirce que, devido ao sofrimento de ser apontada como a filha do “homem que matou Euclides”, escreveu outro livro por título “O Pai”, defendendo o genitor da pecha de assassino, uma vez que, segundo a escritora, ele só matou para livrar a própria vida, nos dois crimes.

Esta também foi a mesma tese defendida pelo advogado de Dilermando, Evaristo de Morais, e aceita pelo corpo de jurados nos dois episódios. O próprio Dilermando, engenheiro civil, escritor e maçom, escreveu o livro “A Tragédia da Piedade” (Edições O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 1951), no qual se defende do estigma de assassino. E, segundo ele próprio, se algum crime cometeu, foi ter amado uma mulher casada de 33 anos, ele, um jovem inexperiente, de 17.

Mesmo após os júris populares, inocentando-o, a sociedade brasileira do início do Século XX jamais os perdoou: ele, pelas mortes de Euclides da Cunha e do filho deste, e Ana, a mulher adúltera. Esse episódio foi motivo de inúmeras peças de teatro, ópera, minissérie da Rede Globo, e extensa reportagem no G1, datada de 9/7/2019 (vide Referências), na seção Pop & Arte.

Dirce de Assis. Foto: Reprodução / G1 (Vide Referências)
Quanto à escritora que tão poeticamente e com incomparável competência escreveu seus livros, tentei manter contato com a mesma desde 6/12/2019, por intermédio da Ateliê Editorial, que publicou  seu livro “O Velho Chico ou A vida é amável” e se prontificou a ajudar-me no intento. Infelizmente, até o momento, não obtivemos êxito.

Referências

AS MORTES DE EUCLIDES DA CUNHA E SEU FILHO. Disponível em: <http://www.oabsp.org.br/sobre-oabsp/grandes-causas/as-mortes-de-euclides-da-cunha-e-seu-filho>. Acesso em: 11 dez. 2019.

CAVALCANTI, Dirce de Assis. O pai. 4. ed. Rio de Janeiro: Casa-Maria Editorial: LTC-Livros Técnicos e Científicos, 1990. 112 p.

______. O Velho Chico ou a vida é amável. São Paulo: Ateliê Editorial, 1998. 160 p.

DESEJO (minissérie). Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Desejo_(miniss%C3%A9rie)>. Acesso em: 11 dez. 2019.

DILERMANDO DE ASSIS. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Dilermando_de_Assis>. Acesso em: 11 dez. 2019.

DIRCE DE A. CAVALCANTI E A TRAGÉDIA DE EUCLIDES DA CUNHA. Disponível em: <http://saboreandooslivros.blogspot.com/2009/02/dirce-de-acavalcanti-e-tragedia-de.html>. Acesso em: 11 dez. 2019.

DIRCE DE ASSIS CAVALCANTI. Biografia. Disponível em: <https://www.atelie.com.br/publicacoes/autor/dirce-de-assis-cavalcanti/>. Acesso em: 11 dez. 2019.

FILHA BUSCA JUSTIÇA HISTÓRICA PARA PAI, QUE MATOU EUCLIDES DA CUNHA. BBC News Brasil. Disponível em: <https://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2019/07/09/filha-busca-justica-historica-para-pai-que-matou-euclides-da-cunha.ghtml>. Acesso em: 11 dez. 2019.

FILHA LUTA POR JUSTIÇA HISTÓRICA PARA PAI NA MORTE DE EUCLIDES DA CUNHA. BBC News Brasil. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=CPwQ9HPApwQ>. Acesso em: 11 dez. 2019.

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