sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

O fotógrafo da Fazenda Bacalhau

Nesta crônica biográfica, apresento-lhes Manoel Pereira dos Santos, fotógrafo que deu muitos cliques em noites festivas da nossa Santa Maria da Vitória. Confiram e divirtam-se também.

Nascido no município de Canápolis, oeste baiano, na localidade conhecida por Fazenda Bacalhau, em 18 de abril de 1950, há época, ainda pertencente a Santana dos Brejos, renominada Santana. Ele, Manoel Pereira dos Santos, como está em seu Batistério ou Certidão de Batismo, é o primogênito de dez filhos de Antônio Pereira (Tõi Bacalhau) e Emiliana Moreira (Dona Samila).

Manoel é um tipo destoante dos nascidos na região: branco, cabelos loiros, olhos esverdeados, esguio, beirando um metro e noventa, e falante. Como é do costume local, usança nossa, o apelido poderia ser Manezim de Tõi Bacalhau, mas não. Na sua simplicidade brejeira, ele sempre se apresentava como Zim Bacaiau, sem se preocupar com a correta pronúncia da palavra. Para quê? Para desoriginalizar? E o Manezim reduziu-se a Zim, e dessa forma ficou conhecido: Zim Bacaiau.

Dia desses, mês de julho de 2018, encontrei-me com Zim Bacaiau na Rua do Buracão, ou melhor, Rua Euzébio de Queiroz, no Bairro da AABB, em Santa Maria da Vitória, a bater descontraído papo com Ismael Batista, irmão de Bio da Coelba. Entrei na conversa, já que era final de tarde de temperatura amena, Sol a esfriar, suave brisa, momento apropriado para descompromissos.

Novais Neto e Zim Bacaiau. 2018. Foto: Ismael Batista.
Entre um assunto e outro, quis saber de Zim de onde vem o codinome Bacalhau, que ele mesmo cunhou para si. Explicou-me que seu apelido adveio da Fazenda Bacalhau, onde nasceu, e que bacalhau é uma espécie de chicote ou taca, em cujo cabo são afixadas correias de couro cru, que se usava para tocar animais, e que não tem nada a ver com “aquele peixe salgado”, o que naturalmente nos leva a crer.

Conheci Zim na década de 1970. Nessa época, eu trabalhava no Funrural, local para onde convergia a população rural em busca de aposentadoria rural, e ele, uma vez ou outra, aparecia por lá com uma câmara fotográfica pronta para clicar. Depois, já nos anos 1990, quando Hermes, meu irmão, montou um laboratório fotográfico para copiar fotos coloridas, foi que mais me aproximei de Zim.

Segundo me contou, adquiriu sua primeira câmara, uma Olympus Trip 35, de um amigo em Brasília. Na sua época de iniciante na arte fotográfica, os retratistas mais conhecidos em Santa Maria eram Pombinho, Neném, Tião, o Tiãozim Roupa Limpa, quando só se fazia foto preto e branco, e monóculo. Filme colorido era revelado e copiado em Bom Jesus da Lapa ou em Correntina, com Vadu, ou então enviado para Sonora, em Manaus, ou Fuji Filmes, em São Paulo. Da Sonora, retornavam fotos no tamanho 9x9, acompanhadas, cada uma, de duas fotos menores e idênticas do lado direito, na mesma proporção. 

Novais Neto, Brasilia. 1978. Foto: Tião Álvares.
Zim Bacaiau, trabalhador rural, de origem, foi benzedor, rezador, curador de bicheira de animais, fazedor de versos e dançador. Foi ainda ajudante de obras e cobrador de ônibus em Brasília, da Viação Pioneira, além de ter sido professor leigo do Mobral, quando chegou a alfabetizar, segundo ele, 564 alunos. Exerceu esse sacerdócio por 22 anos nas localidades de Porco Branco, Barreiro Preto, Salobro, Jenipapo e Cabeceira Grande, no município de Santa Maria da Vitória.

Em tom de graça, sorriso sempre aberto, e por ser um incorrigível contador de causos, Zim me “confidenciou” ter ficado noivo 25 vezes. Contou-me, também, que ele não podia olhar para uma moça bonita que o pai dela já insinuava um casamento, o que naturalmente “apressava o noivado”. Será somente por isso ou ele é bom de lábia?

Foi como fotógrafo, entretanto, que Zim se fez conhecido na região, já que registrava festas variadas, formaturas, casamentos, batizados, aniversários, velórios, sepultamentos e, por 15 anos, fotografou para Delegacias de Polícia Civil. Fez fotos nas zonas rurais e urbanas de Santa Maria, São Félix, Canápolis, Santana, Tabocas do Brejo Velho, Serra Dourada, Jaborandi e Bom Jesus da Lapa, sempre a deslocar com sua motinha (como ele a ela se refere), uma Honda XL 125, vermelha, sucateada, carcomida.

Na década de 1970, quando eu ainda morava em Santa Maria, sempre me encontrava com Zim na Praça do Jacaré, à noite, principalmente em épocas festivas, como sua máquina, “relampeando” (disparando o flash). E sempre que se deparava com alguém mais “chegado”, tirava do bolso da camisa uma ruma de fotografias, mostrava-as, a fim de ajudá-lo a identificar o cliente que as solicitou. 

Novais Neto e Zim Bacaiau. 2018. Foto: Ismael Batista.
Zim se queixava de que muitos pediam para fazer fotos (relampear, no dizer dele), depois, vinha com a história de que não gostou, de que a foto ficou feia, coisa e tal, e ele acabava amargando prejuízo, por isso não escondia de ninguém ao alardear que gostava mesmo era de “fazer foto de defunto, porque não reclama”.

Nas eleições municipais de 1996, Zim pretendeu candidatar-se a prefeito de Santa Maria, cujo vice seria Lindolfo de Manim Ramos ou Lindolfo do Correio, quando chegou até a confeccionar panfletos com o seguinte slogan: “Voto legal é com Zim Bacalhau”, tendo trocado a letra “F” por “V” e corrigido a grafia da frase original, usada para divulgar seu ofício, oralmente: “Foto legal é com Zim Bacaiau”.

Manoel Pereira dos Santos ou simplesmente Zim Bacaiau, que entendo bem mais lídimo assim grafar – Bacaiau –, é casado com Dona Eulália, com quem tem quatro filhos: Maurizan (jornalista), Marilza (publicitária), Morgana (bioquímica) e Amarildo (engenheiro civil).





sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Homenagem a meus contemporâneos esportistas

Esta crônica é uma tímida tentativa de homenagear meus contemporâneos da juventude, quando, juntos, no divertíamos pelos campos e quadras santa-marienses e de Salvador. Confiram.

Bateu-me no peito, hoje, de manhã, uma saudade muito grande, imensurável, desmedida, sem limite. Se estivesse falando isso a um amigo ou conhecido e não escrevendo esta crônica, sem qualquer dúvida, diria desse jeito, para não fugi de minha origem: “Ô, môss, eu amanheci hoje foi com uma saudade disgramada. Num sei que troço foi esse. Tô até mei desanimado”.

“Saudade é assim mesmo”, por certo, algum amigo me diria para me animar. É que, sorrateiramente, ela aparece por um motivo até banal — se tolamente julgado à luz da razão. E não importa que o termo não exista em outro idioma — felicidade nossa —, mas todos a sentimos, dê-lhe o nome que quiser. Feliz daquele que tem motivo para senti-la, porque, de uma forma ou de outra, a saudade é a lembrança de algum momento vivido. Saudade de algures, saudade de alhures. Ou simplesmente saudade, por uma razão qualquer, isso pouco importa!

Essa coisa boa que tomou de mim, aqui chamada saudade, teve uma boa razão de aflorar. É que, revirando fotos antigas dos tempos de juventude, deparei-me com uma que só me trouxe recordações reconfortantes: é uma do time do Fluminense de Batista, o Fluminense da Rua de Cima. Esse retrato fez-me retroagir ao ano de 1975, quando este que escreve, jogava no citado tricolor. Desculpe-me pela força do termo “jogava”, melhor seria dizer “maltratava a bola”. Como não havia outro esporte naquele distante ano em nossa cidade, tinha mesmo era que tentar “dominar a pelota” a qualquer custo, para assim ficar no meio dos amigos, visto que outro esporte, o basquete, ainda engatinhava.

No Centro Educacional Santamariense (CES), o Colégio dos Padres ou Escola Paroquial, como também era conhecido, nosso professor de Matemática e Educação Física, Tércio Santana, Tutes, nos ensinou a jogar basquete, auxiliado pelos irmãos Anatole de Cotinha e Júnior França, que já sabiam jogar, mas estudavam no Colégio Maçônico Gonçalves Lêdo, onde formaram outra equipe com Deva Biduim, que já praticava tal esporte, e nossos times rivalizavam, ocasião em que, aos domingos, à tardezinha, a quadra do colégio 
(construída com ajuda dos próprios alunos) enchia de torcedores animados e torcedoras belas e esfuziantes.

Novais Neto, Milton de João Nogueira, Tutes, Rui Morais e Paulão de Petrônio. 1977.

Foto 1: Novais Neto saltando, observado por Anatole, Júnior e Paulão.
Foto 2: Deva Biduim tentando passar entre Novais Neto e Tutes, observado por Paulão.
Identificados: Toginho de Zé de Tião, Júnior, César de Wilson Barros, Anatole, Tutes e Novais Neto.
Quanto ao tricolor santa-mariense, foi muito bom jogar naquele time e, no meu caso, foi um acontecimento incomum, já que morava na Rua de Baixo e jogava numa equipe da Rua de Cima, rivais históricas desde a origem da nossa cidade. Outro também da Rua de Baixo era Charles de Adão Bodeiro. Integrar o Flu se devia ao fato de ser amigo e estudar na mesma turma de seus donos, Saulim de Dona Milu, Francisco Saulo Mendes da Veiga, como também o irmão, jogador do time principal, Batista do Correio, João Batista Mendes da Veiga.

Só que as exceções ou contradições não acabavam por aí. Depois do advento do Rei Pelé, cabia ao craque do time vestir a camisa 10. E mais ninguém. No entanto, em razão de acirrada disputa por tal camisa entre Nego Lito, Titinho de Vidi e Charles de Adão Bodeiro, Saulim resolvia a polêmica questão deixando comigo, lateral esquerdo perna-de-pau, a responsabilidade e a enorme heresia de vestir a camiseta do Rei. Saulim, justamente ele, apreciador do bom futebol e bom de bola, fazer tal coisa, ninguém entendia. O fato é que a “briga” acabava e ninguém tinha o direito de vir reclamar comigo, “pobre inocente”.

Saulo, torcedor incondicional do Fluminense, tricolor que colecionava pôsteres do Flu e da Seleção nas paredes do quarto de dormir, retirados da Revista Placar, chegava a brigar, mesmo em sonho:

— Ninguém segura o Fluminense de Manfrini. Vai pra ponta direita aí, seu porra! — isso é o que Gezo, ponta direita de nossa equipe e gozador insistente, nos contava, para delírio de todos.

Quanto à velha fotografia do eternal momento — motivo desta crônica — estão presentes nela, além de Hermes (do Flamenguinho Juvenil, de Marinho da Casa Globo), o goleiro Coimbrão, Licura, Pedim de Maria Costa, Caramuru, Saulim de Dona Milu, Novais Neto, Nego Lito, Vá de Palu, Renatinho de Reinaldo, Miguelzim, Milton de João Nogueira, Charles de Adão Bodeiro, Gezo e Pedro do Posto Lisboa. Pertenciam ainda ao Flu Juvenil, Tito de Vidi, Zeto B12 e o técnico era Quinquinha de Milu, pai de Saulo e Batista, auxiliado por Miro Carne de Porca, não presentes nesta memorável recordação.



No ano de 1978, deixei minha terra natal rumo à Brasília. Naquela época, já fazia parte do time juvenil da Associação Atlética Castro Alves, ocasião em que a agremiação, devido a mudanças para outras cidades de alguns seus jogadores, lembro-me especialmente de César de Wilson Barros e este que escreve, fez uma partida de despedida entre dois times do mesmo juvenil, evento que terminou com um gol para cada lado. E um foi meu. O técnico de uma das equipes foi Seu Irênio e da outra, Dema Bodeiro.








Fizeram-me recordar ainda estes registros fotográficos amigos daquele tempo, pelos bons momentos vividos nas quadras da Sambaíba, de Chiquinho e Centro Educacional, e nos campos do Derba e no Campão, o atual estádio Turíbio Oliveira, tais como Marcelão Teixeira, os irmãos Toginho e Branco de Zé de Tião, Amarildo, Messias Chaves, Gival Matos, Tõi Rosinha, Tõi Coelho, os irmãos Bimba e Gilmar de Déo, Milton Churel, Dika de Charqueada, Doxa, Ítalo Ipojucan, Lulu de Valdim, Luciano Bahia, Pelé, Dão de Zé Maria, Zé Milton, Calai de Zé Belém, Zé de Maria, Dãozim de Antõi Bobó, Queiroz de Seu Tôni, Nisso, Ciço da Sambaíba, Galego, Nélson, Dena, os irmãos Tatém e Tio de Filó, Edilson de Dona Enide, Jorge de Zifina, Vanja, os irmãos Boião e Orelha, e os também irmãos China Show e Terto de Toge.

Quanto à quadra da Sambaíba a que me referi acima, não é a do extinto Clube Santa Maria, mas uma bem anterior, circundada por árvores, dentre elas, um frondoso juazeiro. Ela foi construída pelos funcionários do Banco do Brasil no início da década de 1960, para prática de futebol de salão e voleibol, e foi a primeira da nossa cidade. Como era caminho para roça do meu pai e do curtume, joguei lá muitas vezes com meus amigos de infância.

Ainda me referindo aos amigos primeiros, da mais tenra idade, Agnelo de Donaricota, que virou Agnelo Profissi, conceituado professor de Matemática, foi quem me levou para ser goleiro do Ypiranguinha do Mestre Ló, mas não deu certo, mudei de posição e virei ponta esquerda. Ele até hoje se lamenta por ter sido vítima de um gol de córner por mim cobrado, num treino. Recordo-me, ademais, dessa época, de amigos e contemporâneos, tais como Abelzim do Pingo d’Água, Cabelo de Ovelha, Zelino Jega Véa, Pedim do Sal, Manoel Bracim, César de Wilson Barros, Bai de Coli, Binha de Emílio Leão, Jânio de Pina, os irmãos Pinga, Caolho e Mau de Josael do Armazém Conquista, Iran de Cícero Soldado, dentre tantos outros que já me escaparam dos escaninhos da memória.

E agora, como vou terminar esta crônica? Ela serviu de lenitivo para minha saudade, acalmou-me, ajudou a lembrar-me de velhos e queridos amigos, no entanto, “deixou-me no mato sem cachorro”. Não pensei que isso fosse acontecer e agora me vejo ante o vazio, frente a frente com o nada. Mas tudo bem, o objetivo foi atingido: fiz de um momento de saudade um motivo de ser grato à vida, de ser grato ao Criador e aos inesquecíveis amigos! E isto me faz um bem sem fim! Enorme!

Time do Fubuia (Santa Maria) numa comemoração de final de ano. Década de 1990.

Time do Carranca (Baneb, Salvador). Década de 1980.

Time do Carranca (Baneb, Salvador). Década de 1990.

Time da Compensação (Baneb, Salvador). Década de 1990.


Time do Fubuia (Bariri, Eng. V. de Brotas, 1996).

Torcedores do Fluminense - Estádio Turíbio de Oliveira (Turibão) - Santa Maria da Vitória (BA). 1976.






Quem sou

Crônica da luz intermitente

Aquele teria que ser um dia muito especial, bem fora da minha rotina. Foi 1º de maio de 2024, algo bem recente, Dia do Trabalhador e dia dos...