sábado, 11 de julho de 2020

Eu te amo, Serotonina

Apresento, nesta crônica, o Dique do Tororó, lugar muito bonito onde me exercito quase todos os dias pela manhã e me permito fazer declaração de amor. Vejam se tenho razão.

Despertei, hoje, meio sorumbático, pachorrento. Não sei exatamente qual a razão. Desconfio que tenha sido resultado de algum sonho mal sonhado que não me veio a lume ou uma saudade sem aparente causa. A verdade é que estou me sentindo macambúzio ou, para não fugir da minha origem, como certamente diria meu pai, Tião Sapateiro, falecido no dia 27/6 último, de causas naturais, aos 91 anos: “Hoje, acordei meio descalqueado”.

São quatro horas da matina, a noite e sua gente ainda dorme e nubiloso está o céu. A tentação é de ir para frente do computador procurar não-sei-o-quê até o dia clarear. Resisto bravamente. Quando isso me ocorre (o que é raro), já conheço muito bem o infalível antídoto: fazer minha caminhada ou corrida no Dique do Tororó, um dos lugares mais aprazíveis de Salvador, para reencontrar minhas amigas alto-astrais: a serotonina e a dopamina, neurotransmissores bem-humorados, energéticos, dispostos e sempre disponíveis, basta tão somente procurá-los.

Dique do Tororó - Salvador - Bahia - Brasil. 2018. Foto: Novais Neto.

Há mais de 40 anos, dou-me ao prazer de exercitar-me nesse belo parnaso. Sinto-me tão bem que me fiz até participar, por três vezes, da Corrida Internacional de São Silvestre, não como atleta a disputar as melhores posições, mas como amador a testar seus próprios limites e sentir a inexprimível sensação de, após subir a Brigadeiro Luiz Antônio, despontar na Avenida Paulista e “correr para o abraço” de mil braços invisíveis à procura de outros receptíveis amplexos.

Minha primeira participação foi no já distante ano de 1988, a 63ª Corrida Internacional de São Silvestre, última que aconteceu à noite, com largada às 23h30, num percurso em torno de 8km. As demais, com percurso definitivamente fixado em 15km, ocorreram nos anos de 1994 (70ª Corrida) e 1999 (75ª). O tempo voa muito mais rápido que os pés dos melhores corredores, isto é certo. Em 2019, ano passado, realizou-se a 95ª edição da mais famosa corrida do País.


63ª Eliminatória da Corrida de São Silvestre (Salvador, 1988) e 70ª Corrida de São Silvestre (São Paulo, 1994).

75ª Corrida de São Silvestre (medalha), ano de 1999, terceira participação. Fotos: Acervo pessoal.
No Dique do Tororó, entretanto, o devaneio é outro. É bem mais real. Se corro, penso menos e me exercito mais. Divago e espaireço profundamente ao andar. Às vezes, nem me dou conta de já haver percorrido seus 2.600 metros de puro prazer, duas vezes, nos sentidos horário e anti-horário. São, portanto, nesses mágicos momentos que organizo minhas ideias, alinhavo poemas, trovas, crônicas e declamo, baixinho, minhas poesias preferidas. Cantarolo também canções antigas, românticas, entoadas por minha mãe Jandira Almeida, 90 anos, que me transportam inevitavelmente para outra possível biodimensão.

A estes momentos, se certo estou, é que me dizem quão bela é a vida e que me animam a enfrentar os percalços da caminhada e contornar os descaminhos. Amar os amigos, minha família, minha filha, minhas terras queridas: Santa Maria da Vitória, sempre hors concours, e Salvador, minha cidade adotada; amar meus amores, sem olvidá-los, jamais; sentir que a felicidade é relativa e que cada um de nós é que sabe – e sente – se é ou se não é feliz.

Dique do Tororó - Salvador - Bahia - Brasil. 2018. Foto de um corredor anônimo.
Tempos atrás, assisti a uma entrevista do médico Dráuzio Varella que falou sobre “sentir-se feliz e a sensação de prazer”, mais especificamente sobre a serotonina e a dopamina. Enquanto a primeira, segundo o especialista, conhecida também como substância “mágica”, é sedativa e calmante; a outra, a dopamina, nos proporciona energia e disposição.

Não me convém, entretanto, adentrar estes caminhos científicos porque não é o propósito desta crônica e nem tenho conhecimento suficiente para tal, evidentemente. Ademais, como se diz coloquialmente em Soterópolis: “não é a minha praia”. Por outro lado, seja lá qual for “a minha praia” e, sem receio de que esteja a fazer falsa declaração de amor, proclamo, aos quatro ventos, alto e bom som: Eu Te Amo, Serotonina!

15 comentários:

  1. Aí é que está o mapa da mina, para quem quiser adquirir saúde, prazer e felicidade. Mas, tem que ter disposição e determinação assim como você. Parabéns.

    ResponderExcluir
  2. Seretonina e Dopamina o elixir da saúde, Parabéns amigo atleta

    ResponderExcluir
  3. Sem dúvida o exercício físico , é o segredo da longevidade. Parabéns irmão.

    ResponderExcluir
  4. E muito legal exercitar no dique. Eu chamo de meu medico preferido pois desco c um problema e subo c a resolucao e bastante alegre.

    ResponderExcluir
  5. Corremos muitos aí no Dique. Bons tempos. Boa crônica, Novais.

    ResponderExcluir
  6. Você é referência no dique... disposição e simpatia todas as manhãs.

    ResponderExcluir
  7. Esse lugar é mágico e sob o olhar de um poeta aí é que a magia se intensifica.

    ResponderExcluir
  8. Muito bem!
    Gostei poeta!
    Não tenho o dique aqui por perto, esse local encantador, mas consigo a minha serotonina me exercitando por aqui mesmo.
    Para bens!

    ResponderExcluir
  9. Grande Novais. Alegrou meu dia. Abraços, primo.

    ResponderExcluir
  10. Parabéns poeta! A vida é muito simples a gente é que tem mania de complicar

    ResponderExcluir
  11. Parabens, Novais! Gostaria de ter a tua disposiçao para andar/correr em um lugar aprazivel na cidade!
    Gostei muito da cronica!

    ResponderExcluir
  12. Parabéns meu amigo, gostei da crônica. Grande abraço

    ResponderExcluir
  13. [Valdélio Santos Silva, via WhatsApp]
    Li e gostei muito da sua prosa! Depois de tanto voltado quase exclusivamente para a literatura sociológica e antropológica, tenho saudades da época que me deixava embora pela poesia, pelos contos e romances! Parabéns pelo texto e pela escrita leve!

    ResponderExcluir

Quem sou

Raimundo Neto, radialista

Anos atrás, exatamente no dia do meu aniversário, 24 de outubro, recebi um áudio da poesia “A doce química do seu olhar volátil”, do amigo R...