Esta crônica rememora e registra momentos indeléveis e risíveis do 41º Festival Nacional de Poesia de Ibotirama (FEPI), desde o momento em que saí de Salvador até meu retorno.
Entre os dias 14 e 17 de agosto de 2025, estive na cidade baiana de Ibotirama, para participar do 41º Festival de Poesia (FEPI), na condição de jurado. Vale registrar que, no ano de 1988, no 3º FEPI, também lá estive para defender minha poesia “Desventuras humanas”, incluída no meu primeiro livro, “Flutuando na areia”, que veio a integrar o roteiro da novela “Tieta”, da Rede Globo de Televisão.
Em duas outras ocasiões, participei como jurado daquele famoso festival. No ano de 2019 e, virtualmente, em 2020, por conta da pandemia da Covid 19. Todas as oportunidades foram gratificantes e enriquecedoras para minha trajetória como pretendente a poeta, quiçá, escritor. Ibotirama é um celeiro de grandes artistas, onde, naqueles dias festivos, deparamo-nos com pessoas singulares, magistrais e receptivas, sobretudo.
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Jurados: Tâmara Rossena, Cícero Félix, Daniela Galdino, João Filho e Novais Neto. |
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Vista do Festival a partir do palco. |
Convidado que fui, por Gilberto Morais, coordenador de cultura local, embarquei na rodoviária de Salvador, dia 17, à noite, com destino à Capital Céu, como carinhosamente seus habitantes a apelidaram. Ou ainda, Cidade Sol, como anunciado pelos locutores durante a realização das atividades musicais e poéticas, quando Ibotirama completou 67 anos de emancipação político-administrativa.
No início da viagem, quando já me havia acomodado dentro do ônibus, numa poltrona do corredor, eis que chega um simpático cidadão, de sorriso contido, vira-se para mim e, em tom de gracejo, diz:
– Eu vou apertar a sua mente!
– Fique à vontade – lhe respondi no mesmo tom. E ele continuou:
– Minha poltrona é da janela, gostaria de passar. Serei seu vizinho até Barreiras.
Aquele rapaz brincalhão sentou-se na poltrona. Aproveitei e lhe disse que iria só até Ibotirama para participar de um festival de música e poesia. Quanto a ele ter dito que iria “apertar minha mente”, referiu-se à camisa que eu trajava, na qual havia a original frase nascida na Cidade de Salvador, “Não aperte a minha mente”.
Meu companheiro de viagem não “apertou minha mente” como prometido. Trocamos mais algumas palavras, ele pôs uma máscara, virou para o lado e não me deu mais ousadia. Claro sinal de que não queria papo. Entendi e o deixei em paz nos braços de Morfeu.
Um tanto sonolento, percebi quando o ônibus chegou na rodoviária de Feira de Santana, mas não notei quando ele voltou a seguir viagem. Somente, quando chegou ao Posto Carne Assada, na BR-116, em Itaberaba, ponto de parada para os passageiros fazerem lanche e estirarem as pernas. Sempre desço naquele lugar, não necessariamente para comer alguma coisa, mas, sobretudo, para fazer o sangue circular, exercitar o nosso segundo coração, as panturrilhas.
Como eu costumo tirar os tênis durante a viagem, procurei-os ainda no escuro dentro do ônibus para calçá-los e descer. E foi o que fiz. Fui até o banheiro e voltei andando, “na maresia”, como dizem os soteropolitanos, exercitando as pernas e a andar lentamente, sem qualquer pressa. Eis que, na minha direção, vem um cidadão pulando de um pé só, no estilo saci, com um sapato em uma das mãos.
Olhei para ele e pude notar que era alguém parecido com o rapaz que estava ao meu lado dentro do ônibus. De início, achei estranho, pois quando ele entrou naquele transporte, em Salvador, não mancava, andava, sim, normalmente. Ele, então, olhou para mim e foi enfático:
– Você pegou o meu sapato!
A foto a seguir, produzida propositalmente ou não, que me foi enviada em memes de WhatsApp, ilustra de alguma forma a cena que protagonizei naquela noite morna, no ermo, diante de uma plateia de curiosos viajores, muitos deles, sonolentos e bocejantes.
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Foto: Reprodução / Internet. Vide link no final. |
Por conseguinte, eu, meio atordoado, levantei um pouco as calças e nada vi de estranho. Só depois, quando “a ficha caiu”, é que percebi algo diferente: estava com o pé direito do meu sapato, sem cadarço, e um do dele, com cadarço, ambos de cores escuras, por isso não notei a diferença. Fizemos a troca, e disse para ele e para uma pequena plateia de viajores, atônitos, de olhos arregalados, a conterem traiçoeiros risos, em tom de graça, porém, meio escabreado:
– Isso vai virar uma crônica! Bem que minha filha me fala que sou doido! – E fiquei por ali mesmo a aguardar o embarque para a continuidade da viagem.
Minutos depois, aquele cidadão voltou, andou em minha direção, novamente lhe pedi desculpa e reafirmei o que já havia dito: “isso vai virar uma crônica”. Ele, então, me perguntou se eu era escritor. Respondi positivamente e lhe passei meu cartão de visita. Antônio, seu nome, agora já sabedor, manuseou com curiosidade o cartão, disse-me que também é da Família Novais, só que de Avaré, interior de São Paulo, muito embora a grafia da dele seja com “e”, Novaes. Chegou mesmo a mostrar um grupo de WhatsApp familiar com este sobrenome, com uma foto da matriarca, sua avó.
Entramos novamente no buzu e demos continuidade ao nosso bate-papo, a esta altura, cheio de novidades. Disse-lhe, segundo li, há bastante tempo, num site da capital paulista, que os primeiros Novais chegados ao Brasil Colonial, foram quatro irmãos: um deles ficou em São Paulo; outro seguiu para o Paraná; o terceiro veio para a Bahia e o último, para Pernambuco, justamente, os estados onde mais aparece tal sobrenome. Portanto, os Novais ou Novaes possivelmente têm origem comum.
Nossa conversa seguiu animada e cheia de novidades, até que o sono novamente nos ganhou. Mais tarde, presenteei-lhe meu livro “Meu lugar é aqui no Centenário de Santa Maria da Vitória”. E finalmente, às 7h30, cheguei ao meu destino, Ibotirama. Antônio continou sua viagem para Barreiras, com o compromisso de voltarmos a nos encontrar em Salvador, onde também mora e curte a cidade com seu patinete, segundo me contou.
No final daquela manhã, um tanto fria para os padrões da região, recebo a seguinte mensagem, via WhatsApp:
– Olá Novais Neto. Aqui é Antonio, seu sócio em matéria de sapatos! Prazer conhecer um pouco de você e de sua obra!
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Mensagem de Antônio, via WhatsApp. |
Agora, sim. Eu já no meu destino há algumas horas e meu novo amigo, em Barreiras. Quando cheguei à Ibotirama, entrei em contato como Gilberto e ele prontamente foi me dar as boas-vindas. Antes, porém, de me levar ao hotel, passou em sua casa e me deu cópias das 20 poesias concorrentes, para que eu pudesse apreciá-las com antecedência e calma.
Acomodado no Hotel Atlanta, ainda era cedo, fui tomar meu café da manhã. Lá, tive uma agradabilíssima surpresa. Encontrei meu conterrâneo e amigo, morador em São José do Rio Preto, em São Paulo, o inspirado e competente compositor, músico, escritor e pesquisador Josiel Rusmond, acompanhado dos filhos Bubu e Little John, numa mesa com mais duas mulheres, as cantoras e compositoras Eloah Monteiro e Joana Terra, que, assim como ele, fariam parte da mesa do júri no 49º Festival de Música Popular de Ibotirama (FEMPI).
Encontros e reencontros foram acontecendo. E, naquele mesmo dia, final da tarde, chegou o professor da Universidade do Oeste da Bahia (Ufob), campus de Santa Maria da Vitória, o amigo Cícero Félix e a esposa Anne Stella, que, assim como eu, ele seria jurado na final nacional do concurso de poesia.
À noite, uma sexta-feira 16, aconteceu a fase eliminatória do FEMPI, ocasião em que 10 músicas foram selecionadas para a grande final que aconteceria no domingo, dia 17. E foi nesse ambiente festivo que reencontrei, depois de alguns anos, minha ex-colega do Banco do Estado da Bahia, o Baneb, Irany Cardoso, minha querida Nini, que me apresentou novos amigos, Laurindo e Sílvio Ferreira, ex-banebiano, como eu e minha amiga ibotiramense.
Durante todos esses dias ainda encontrei alguns amigos virtuais, que passaram a ser reais, finalmente. Dentre eles, Marcelo Nunes e Reginaldo Novais Belo. Reencontrei Júnior Japonegro, poeta são-gabrielense, as meninas da Ciranda Embolada, Joyce, Crisna e Priscila, e Paulo Araújo. Além fazer novos amigos tais como Pingo, João Filho, Reizinho, Elisa Goritzki, Igor Trovanova, o prefeito Láercio Santana, o secretário de cultura André Gessé, e outros tantos que a memória teima em não deixar vir a lume.
A final do FEPI, o festival de poesia, aconteceu no sábado, à noite, dia 16, quando os jurados, Tâmara Rossena, Daniela Galdino, João Filho e eu, Novais Neto, tivemos a imensa responsabilidade de avaliar 20 poesias. No entanto, como em todo festival, há os que saem satisfeitos com o resultado e outros, infelizmente, que se sentem mal avaliados. Repito, aqui, por esta razão, a emblemática frase dita pelo cantor e compositor brasileiro Geraldo Vandré, em 1968, durante o 3º Festival Internacional da Canção, realizado no Maracanãzinho, na Cidade Maravilhosa:
– A vida não se resume a festivais! – Esta frase, por sinal, pela sua profundidade, tornou-se um símbolo da resistência cultural e um marco na história da música brasileira, vivida nas décadas de 1960 a 1980, durante os duros anos da Ditadura Militar em nosso País.
Em síntese, esta crônica, que embora tenha começado por um risível episódio, a troca de sapatos durante a viagem, é de agradecimento principalmente a Gilberto Morais, e não poderia terminar de forma tão séria e formal. Afinal, a vida também é feita de sorrisos, principalmente de boas lembranças. E uma delas, eu não poderia deixar de registrar.
Durante a apresentação dos avaliadores, feita pelo locutor Cleiton Silva, o poeta repentista, compositor, radialista, declamador e aboiador, o paraibano Onildo Barbosa, assim me convidou a tomar posse na mesa de jurados:
Só está faltando uma mesa
E é do nosso Novais Neto,
Que vem a Ibotirama
Crescer o nosso projeto,
E encher a nossa alma
Da sola do pé ao teto!
E arrematou:
– Vem, João Neto! Vem, poeta!
E assim, naquela mesa de jurados, que já havia, do meu lado direito, João Filho, eu virei o filho de João Filho: João Neto. Que maravilha, amei verdadeiramente, sem qualquer sarcasmo, meu querido Onildo Barbosa, porque sou daqueles que entende e curte, que, se as coisas acontecerem tudo certinho, dentro dos conformes, sem as gafes, menos histórias teríamos a contar. Talvez, motivos para sorrir e festejar.
Obrigado, uma vez mais, por tudo de bom e positivo que este festival a mim proporcionou. Sou gratíssimo. E espero que outros festivais hão vir, cada dia melhor. Parabéns aos seus organizadores.
(Foto do par de sapatos. Disponível em: https://cdn.smith-wessonforum.com/attachments/654/654553-1c93c4e23a3596527c5832a308be22da.jpg?hash=wPByG1Qhw0. Acesso em: 19 out. 2025.)
Mais fotos do 41º Festival Nacional de Poesia de Ibotirama (FEPI)
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Ponte sobre o Rio São Francisco, Iboritama, Bahia, Brasil. |
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Novais Neto (primeiro plano), na mesa de jurados. |
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Novais Neto, Niny, Laurindo e Sílvio. |
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Novais Neto, Niny, Sílvio e Cícero Félix. |
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Novais Neto, Júnior Japonegro e (?). |
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Novais Neto, Cícero Félix e Paulo Araújo. |
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Novais Neto e Reginaldo Novais. |
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Novais Neto, Marcelo Nunes e João Miguel (Pingo). |
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Novais Neto, Anne Stella, Cícero Felix e Gilberto Morais. |
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Elisa Goritzki e Novais Neto. |
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Airton Vieira, Cícero Félix e Novais Neto. |
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Cícero Félix, Reizinho, Leda Sacramento e Novais Neto. |
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(?), Anne Stella, Cícero Felix, Novais Neto, Paulo Araújo, Sílvio, João Filho e (?). |
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Láércio Santana (prefeito de Iboritama) e Novais Neto. |
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Igreja Matriz de Nossa Senhora da Guia. |
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Novais Neto e Cícero Félix. |
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(?), Márcia Nascimento, Cícero Félix, Novais Neto e Airton Vieira. Embaixo, crianças que não as identifiquei ainda. |
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Josiel Rusmont, Eloah Monteiro, Joana Terra e Novais Neto. |
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Novais Neto e uma gigantesca carranca. |
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Novais Neto e Gilberto Morais. |
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Onildo Barbosa (locutor, repentista). |
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Cleiton Silva (locutor) |
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Márcia Nascimento a declamar “Maria de Fulano”, poesia vencedora. |
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Crisna Imhof, da Ciranda Embolada, declamando poesia de Igor Trovanova em homenagem a Wilson Aragão, cantor e compositor baiano. |
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Novais Neto e Irani Cardoso (Niny). |