segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Raimundo Neto, radialista

Anos atrás, exatamente no dia do meu aniversário, 24 de outubro, recebi um áudio da poesia “A doce química do seu olhar volátil”, do amigo Raimundo Neto, radialista santa-mariense. Fui tomado de uma enorme emoção, que nem o ouvi por completo. Deixei para me comprazer noutro momento.

No poema, valho-me de termos da Química, minha formação superior, para dar vazão a uma fictícia história de amor. Não foi fácil, visto que muitas palavras que nela emprego, são técnicas, o que poderia dificultar a mensagem a ser dada. Depois de algumas tentativas, erros e acertos, a poesia ficou pronta, pelo menos para minhas pretensões.

Mas, afinal, o que o radialista achou de interessante em “A doce química do seu olhar volátil”? Não sei. Sinceramente! Fato é que, quando estive em um dos seus programas matinais, além de falar da minha trajetória como poeta, trovador e escritor, declamei a tal poesia, dentre outras, e percebi que Raimundo Neto demonstrou haver gostado.

A declamação ficou perfeita e os termos químicos foram pronunciados como se Raimundo tivesse muita afinidade com eles. Mas, se não tem com eles, tem, sim, com as palavras, ferramenta do seu trabalho cotidiano. E aí, quem é esse locutor?


Nascido em Santa Maria da Vitória, no dia 27/5/1956, Raimundo Barbosa Neto, é primeiro rebento do casal Zeferino Barbosa de Souza (Seu Barbosa) e Valdivina Rosa de Souza (Dona Diva), que teve mais seis filhos. Ele veio ao mundo pelas mãos da experiente parteira Dona Emília, em uma casinha humilde na Rua do Riacho, atual Manoel Coelho, próxima da antiga Coelba, onde é hoje Plano Vida Familiar, na Rua de Baixo.

Raimundo Neto e Dona Diva - Seu Barbosa e Raimundo Neto. Acervo familiar.
Neto foi criado em Cachoeira Grande, município de Correntina (BA), onde ficou até os cinco anos de idade. Mudou-se com a família para Brasília em 1961, quando a Capital Federal tinha apenas um ano de criada. Morador da Vila Tenório, estudou até o 5º. Ano Primário em escola do Núcleo Bandeirante.

Nessa época, aos 13 anos, nosso futuro radialista, disse ao pai que não iria mais estudar, iria trabalhar, a contragosto do seu genitor. Ele conta, com ponta de saudade, que o pai, Seu Barbosa, vivia sintonizado em rádios que tocavam músicas caipira, e que gostava muito, mesmo tendo apenas seis anos de idade.

Certa feita, em umas de suas peraltices de criança curiosa, desmontou o rádio de Seu Barbosa para ver se havia uns homenzinhos lá dentro conversando. E, ao contrário do que poderia se esperar, o pai não o repreendeu, apenas lhe explicou, a seu modo, como funcionava aquele aparelho. Raimundo, ainda pirralho, visionou: “Meu pai, algum dia, eu ainda vou trabalhar nisso”.

Já maiorzinho, meninote de seus 15 anos, comprava garrafas vazias para revendê-las; vendia ovos numa grade de madeira amarrada com arame; também vendia jornais como Correio Brasiliense e Última Hora. E ainda sobrava tempo para engraxar sapatos. Tinha uma boa e fiel clientela.

Dentre seus fregueses mais assíduos, na Vila Tenório, um deles era um cidadão elegante, perfumado, sempre a vestir um terno bem cuidado e um vistoso chapéu preto. Esse homem, Raimundo acabou por descobrir de quem se tratava, ao vê-lo estampado na capa de um LP, os antigos “bolachões”. Esse cidadão era, nada mais, nada menos, que o baiano Waldik Soriano, consagrado cantor e compositor em início de vitoriosa carreira musical nos anos 1960.

O ex-engraxate de Waldik Soriano e o menino engraxate.
Ao fazer 18 anos, Neto foi trabalhar na Transporte Coletivo de Brasília (TCB). Começou como servente e chegou ao posto de Lançador Contábil, cargo normalmente exercido por alguém de Nível Técnico. No intervalo do almoço, de duas horas, usava uma hora para treinar locução, comportamento ironizado por seus colegas. Durante o expediente, sempre ouviu músicas com fones ouvidos, algo que, segundo ele, não o atrapalhava, deixa-o, sim, mais concentrado.

Na década de 1980, já era ouvinte assíduo de Zé Bétio, da Rádio Record (SP), Rádio Capital (SP) e dos programas de rádio de Brasília, como Edelson Moura, Márcia Ferreira e Titio Gilvan Chaves. No início, ouvia músicas internacionais, principalmente as do Rei Roberto Carlos e da turma da Jovem Guarda.

Raimundo sempre esteve presente em programas como o de Jota Rodrigues, natural de Coribe (BA), por título “Lá onde eu moro”, na Rádio Capital de Brasília; em programas de músicas sertanejas, como “No Balanço da Viola”, apresentado por Euclides de Freitas, no Sesi de Taguatinga (DF), quando veio a se juntar ao amigo Nicácio e formar a dupla sertaneja Neto e Nicácio, que não foi adiante.

No ano de 1985, retornou à Bahia, vindo a morar em Jaborandi, à época, município de Correntina. Lá inaugurou a Boite Dancing Night, empreendimento de enorme sucesso na região.


 
Em 1988, foi residir em Santa Maria da Vitória. Ingressou na Rádio Rio Corrente, onde permaneceu por 10 anos, fazendo os programas “Amanhecer no Sertão”, pela manhã e, à tarde, “No Balanço da Viola”. Ainda em Santa Maria, trabalhou na Rádio Cultura Oeste FM, no bairro do Malvão até 2003.

Com a inauguração da Rádio Cultura FM em São Félix do Coribe, cidade coirmã de Santa Maria da Vitória, criou o programa “Alvorada Sertaneja” e trouxe consigo o “No Balanço da Viola”. Lá permaneceu por mais de 13 anos.

Mesmo trabalhando na Cultura FM, criou com seu filho Nife e o amigo Luiz a Rádio Vital FM, onde faz atualmente seus programas radiofônicos. Tal nome foi definido lá no distante 1983, ano de nascimento de seu filho mais velho, acima citado.

Raimundo mora atualmente na cidade de São Félix do Coribe, é dono do Studio Brasília, onde faz gravações de áudios comerciais e de eventos em geral, e os divulga num reboque, com caixas de som, puxado por uma motocicleta, que circula pelas ruas de Santa Maria, São Félix e cidades circunvizinhas.

Jandira Almeida, mãe de Novais Neto, e Raimundo Neto no Studio Brasília.Acervo do autor.
Conheci esse locutor autodidata, de dicção clara e português primoroso, através do meu irmão Hermes Novais, lá pelos idos do ano de 1990. Com já disse, estive em algumas oportunidades em seu programa “Alvorada Sertaneja”, onde sempre me senti casa, dada sua enorme satisfação com que me recebia.


Hermes Novais, Celo Costa e Raimundo Neto.Acervo do autor.

O radialista é daqueles de “horário britânico”, não admite atraso em compromissos assumidos. Se isso acontece, dificilmente seu convidado terá outra oportunidade. Com tal comportamento, certa feita, quase perdeu emprego em uma rádio, pois se recusou a entrevistar um famoso político da região, pelo fato de o mesmo ter chegado com atraso, o que foi remediado por outro entrevistador, amigo seu, que lhe salvou a pele.

Outro fato corriqueiro que posso narrar é quando ele encontra alguém pelas ruas e esse alguém diz ser seu ouvinte. Raimundo, para testar se é verdade, pede que ele complete o dito popular, repetido a cada vez que anuncia a hora certa: “relógio que atrasa... não adianta”. Se não completou ou completou errado, ele franze o sobrolho e, com olhar de esgueio, sinaliza desconfiança.

Página de abertura do site da Rádio Vital FM, criado em 1983.
Também, criar personagens em seus programas radiofônicos é seu forte, e assim nasceram Coroné, Roliço e Jabuti, cada qual com sua voz distinta, que “assumem” os eventuais erros do locutor. Locutor nunca erra! Assim, coitadinho dos personagens, tomam bronca ao vivo. “Conheci" Jabuti, seu auxiliar em selecionar as músicas, até mesmo conversar com os ouvintes e fazer comerciais.

Por outro lado, esses auxiliares fictícios, que sempre tomam puxões de orelha por eventuais erros, são os mesmos destinatários de presentes dos ouvintes, e que os “repassam” ao seu verdadeiro criador: Raimundo Neto. Que maravilha, hein, locutor!

Neto conheceu várias duplas sertanejas em início de carreira, que se tornaram famosa no Brasil e no Exterior, tais como Chitãozinho e Xoxoró, Rick e Renner, etc. E chegou mesmo a dividir tocatas com muitos deles. Fez amizades com Milionário e José Rico; Chico Rey e Paraná; Gino e Geno; Leony, Leonito e Mangabinha; Di Paulo e Paulino, dentre outros artistas do mesmo naipe.

Raimundo Barbosa Neto é casado com Maria Neves Barbosa, há mais de 40 anos, e pai de três filhos: Rodrigo Alessander Neves (Nife), Tatiane Neves (Tati Neves) e Raphael Neves (PH).

Família Neves Barbosa: Maria, Raimundo, Tatiane, Rodrigo Alessander e Raphael. Acervo familiar.
Raimundo Neto entre Leony, Leonito e Mangabinha.Acervo pessoal.

Raimundo Neto e Jota Rodrigues. Acervo pessoal.

Raimundo Neto e Euclides Freitas. Acervo pessoal.

Raimundo Neto e Novais Neto no Reis de São Francisco
São Félix do Coribe - Bahia. Acervo do autor.
Raimundo Neto e Milionário. Acervo pessoal.



Raimundo Neto e José Rico. Acervo pessoal.

Ramundo Neto emtre Milionário e José Rico.

Chico Rey, Aroldo Teixeira, Paraná e Raimundo Neto.

Raimundo Neto, Gino e Geno. Acervo pessoal.

Raimundo Neto entre Di Paulo e Paulino.Acervo pessoal.

Raimundo Neto entre Rick e Renner. Acervo pessoal.

Raimundo Neto entre Rick, Renner e João Queiroz. Acervo pessoal.

Raimundo Neto entre Chororó e Chitãozinho.

segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Só acontece em Salvador...

Como de costume, hoje, 27/10/2025, às 5h30, eu já estava no Dique do Tororó para fazer minha caminhada matinal, quando me deparei com um andador trajando uma linda camisa regata do Fluminense. Tive vontade imediatamente de perguntar em que loja ele comprou. No entanto, esperei pela próxima volta, com relativa paciência.

E quando aconteceu, ele falava ao celular, mas não tive dúvida, pedi licença e perguntei onde havia adquirido aquela camiseta. Só aí percebi que não era do Tricolor Carioca, mas do Tricolor do Engenho Velho de Brotas, bairro onde moro. Percebi a diferença, quando vi várias estrelinhas no lado esquerdo do peito, acima do escudo, já que o Flu das Laranjeiras tem apenas três, representativas de três tricampeonatos estaduais.

Fluminense do Engenho Velho de Brotas, Salvador, Bahia.
Disse-lhe que tenho alguns amigos que jogam no Tricolor do Engenho Velho, citando nomes do conhecimento dele, mas que até o momento não puderam adquirir a camisa para mim.

O caminhante, sem hesitar, perguntou-me se eu aceitaria a que usava. Respondi que sim. E o rapaz, simplesmente, tirou a camiseta regata e me entregou nas mãos, numa atitude de total desprendimento.

Fiquei confuso. Recebi e agradeci, quando então lhe falei que eu havia aniversariado na sexta-feira última, dia 24, e mostrei uma poesia, mais propriamente uma trova comemorativa, na camiseta que usava.

– Pronto, é seu presente de aniversário, embora com atraso.

Sorrimos e ele continuou sua caminhada em sentido oposto ao meu, “nu da cintura pra riba”, como provavelmente diria minha mãe Jandira, e completou com uma “exigência”:

– Quero ver você andando com ela aqui no Dique!

– Combinado – disse eu.

Mais a frente, botei a camiseta sobre a que usava e continuei meu desfile, agora, bem mais feliz. Porém... pensei comigo mesmo: “faltou uma coisa, uma foto”. E, mais uma vez ainda, encontrei-o do outro lado da rua, na calçada, em direção ao seu lar. Gritei seu nome e ele me ouviu.

Atravessei a pista e disse-lhe que gostaria de uma foto para registrar o momento. Ele fez uma selfie nossa e me enviou, que a compartilho com vocês.

E mais, num rápido papo que mantivemos, é provável que já nos tenhamos visto pelas redondezas do Engenho de Castro Alves, o Solar Boa Vista, casarão secular, antiga residência da família de Antônio de Castro Alves, onde o poeta morou na infância.

Obrigado, Sandoval Muniz. Aliás, Nem, como está na camiseta que traz o número 72 nas costas.

ESCUDO DO FLUMINENSE: como surgiu e a história do símbolo. Disponível em: https://ge.globo.com/futebol/times/fluminense/especial/2023/12/12/c-escudo-do-fluminense-como-surgiu-e-a-historia-do-simbolo.ghtml. Acesso em: 27 out. 2025.


Continuação...


Após publicaçao dessa crônica, recebi uma mensagem, via WhatsApp, do amigo e ex-colega do Banco do Estado da Bahia (BANEB), João Sindivaldo Rodrigues de Oliveira, que achei por bem partilhar com meus leitores, visto que veio com fotos históricas, senão veja:

“Fala Novais, na contramão da célebre frase dita pelo então governador da Bahia, Otávio Mangabeira, “Pense num absurdo, a Bahia tem precedente”, você conseguiu desmistificar essa afirmativa, com a inspiração desse seu conto ilustrado, intitulado, Só acontece em Salvador! Não poderia haver presente melhor que esse, a camisa do clube do coração, independente de se tratar de um Fluminense “original ou genérico” . A vida tem dessas coisas, às vezes nos reserva surpresas maravilhosas que marcam nossas vidas.

Situação idêntica a sua, nesse aspecto, eu também me considero um privilegiado, sou Santista desde a minha adolescência e tive o prazer de ter duas camisas autografadas pelo Rei Pelé, além de uma foto, privilégio que considero de poucos (2012).  Assim é a vida, às vezes feita de pequenos detalhes!

Forte abraço!!!”

João Sindivaldo e o Rei Pelé. Acervo pessoal. 2012

Acervo pessoal de João Sindivaldo.

Acervo pessoal de João Sindivaldo.

segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Crônica para meu sócio em matéria de sapatos

Esta crônica rememora e registra momentos indeléveis e risíveis do 41º Festival Nacional de Poesia de Ibotirama (FEPI), desde o momento em que saí de Salvador até meu retorno.

Entre os dias 14 e 17 de agosto de 2025, estive na cidade baiana de Ibotirama, para participar do 41º Festival de Poesia (FEPI), na condição de jurado. Vale registrar que, no ano de 1988, no 3º FEPI, também lá estive para defender minha poesia “Desventuras humanas”, incluída no meu primeiro livro, “Flutuando na areia”, que veio a integrar o roteiro da novela “Tieta”, da Rede Globo de Televisão.

Em duas outras ocasiões, participei como jurado daquele famoso festival. No ano de 2019 e, virtualmente, em 2020, por conta da pandemia da Covid 19. Todas as oportunidades foram gratificantes e enriquecedoras para minha trajetória como pretendente a poeta, quiçá, escritor. Ibotirama é um celeiro de grandes artistas, onde, naqueles dias festivos, deparamo-nos com pessoas singulares, magistrais e receptivas, sobretudo.

Jurados: Tâmara Rossena, Cícero Félix, Daniela Galdino, João Filho e Novais Neto.
Vista do Festival a partir do palco.
Convidado que fui, por Gilberto Morais, coordenador de cultura local, embarquei na rodoviária de Salvador, dia 17, à noite, com destino à Capital Céu, como carinhosamente seus habitantes a apelidaram. Ou ainda, Cidade Sol, como anunciado pelos locutores durante a realização das atividades musicais e poéticas, quando Ibotirama completou 67 anos de emancipação político-administrativa.

No início da viagem, quando já me havia acomodado dentro do ônibus, numa poltrona do corredor, eis que chega um simpático cidadão, de sorriso contido, vira-se para mim e, em tom de gracejo, diz:

– Eu vou apertar a sua mente!

– Fique à vontade – lhe respondi no mesmo tom. E ele continuou:

– Minha poltrona é da janela, gostaria de passar. Serei seu vizinho até Barreiras.

Aquele rapaz brincalhão sentou-se na poltrona. Aproveitei e lhe disse que iria só até Ibotirama para participar de um festival de música e poesia. Quanto a ele ter dito que iria “apertar minha mente”, referiu-se à camisa que eu trajava, na qual havia a original frase nascida na Cidade de Salvador, “Não aperte a minha mente”.

Meu companheiro de viagem não “apertou minha mente” como prometido. Trocamos mais algumas palavras, ele pôs uma máscara, virou para o lado e não me deu mais ousadia. Claro sinal de que não queria papo. Entendi e o deixei em paz nos braços de Morfeu.

Um tanto sonolento, percebi quando o ônibus chegou na rodoviária de Feira de Santana, mas não notei quando ele voltou a seguir viagem. Somente, quando chegou ao Posto Carne Assada, na BR-116, 
em Itaberaba, ponto de parada para os passageiros fazerem lanche e estirarem as pernas. Sempre desço naquele lugar, não necessariamente para comer alguma coisa, mas, sobretudo, para fazer o sangue circular, exercitar o nosso segundo coração, as panturrilhas.

Como eu costumo tirar os tênis durante a viagem, procurei-os ainda no escuro dentro do ônibus para calçá-los e descer. E foi o que fiz. Fui até o banheiro e voltei andando, “na maresia”, como dizem os soteropolitanos, exercitando as pernas e a andar lentamente, sem qualquer pressa. Eis que, na minha direção, vem um cidadão pulando de um pé só, no estilo saci, com um sapato em uma das mãos.

Olhei para ele e pude notar que era alguém parecido com o rapaz que estava ao meu lado dentro do ônibus. De início, achei estranho, pois quando ele entrou naquele transporte, em Salvador, não mancava, andava, sim, normalmente. Ele, então, olhou para mim e foi enfático:

– Você pegou o meu sapato!

A foto a seguir, produzida propositalmente ou não, que me foi enviada em memes de WhatsApp, ilustra de alguma forma a cena que protagonizei naquela noite morna, no ermo, diante de uma plateia de curiosos viajores, muitos deles, sonolentos e bocejantes.

Foto: Reprodução / Internet. Vide link no final.
Por conseguinte, eu, meio atordoado, levantei um pouco as calças e nada vi de estranho. Só depois, quando “a ficha caiu”, é que percebi algo diferente: estava com o pé direito do meu sapato, sem cadarço, e um do dele, com cadarço, ambos de cores escuras, por isso não notei a diferença. Fizemos a troca, e disse para ele e para uma pequena plateia de viajores, atônitos, de olhos arregalados, a conterem traiçoeiros risos, em tom de graça, porém, meio escabreado:

– Isso vai virar uma crônica! Bem que minha filha me fala que sou doido! ­– E fiquei por ali mesmo a aguardar o embarque para a continuidade da viagem.

Minutos depois, aquele cidadão voltou, andou em minha direção, novamente lhe pedi desculpa e reafirmei o que já havia dito: “isso vai virar uma crônica”. Ele, então, me perguntou se eu era escritor. Respondi positivamente e lhe passei meu cartão de visita. Antônio, seu nome, agora já sabedor, manuseou com curiosidade o cartão, disse-me que também é da Família Novais, só que de Avaré, interior de São Paulo, muito embora a grafia da dele seja com “e”, Novaes. Chegou mesmo a mostrar um grupo de WhatsApp familiar com este sobrenome, com uma foto da matriarca, sua avó.

Entramos novamente no buzu e demos continuidade ao nosso bate-papo, a esta altura, cheio de novidades. Disse-lhe, segundo li, há bastante tempo, num site da capital paulista, que os primeiros Novais chegados ao Brasil Colonial, foram quatro irmãos: um deles ficou em São Paulo; outro seguiu para o Paraná; o terceiro veio para a Bahia e o último, para Pernambuco, justamente, os estados onde mais aparece tal sobrenome. Portanto, os Novais ou Novaes possivelmente têm origem comum.

Nossa conversa seguiu animada e cheia de novidades, até que o sono novamente nos ganhou. Mais tarde, presenteei-lhe meu livro “Meu lugar é aqui no Centenário de Santa Maria da Vitória”. E finalmente, às 7h30, cheguei ao meu destino, Ibotirama. Antônio continou sua viagem para Barreiras, com o compromisso de voltarmos a nos encontrar em Salvador, onde também mora e curte a cidade com seu patinete, segundo me contou.

No final daquela manhã, um tanto fria para os padrões da região, recebo a seguinte mensagem, via WhatsApp:

– Olá Novais Neto. Aqui é Antonio, seu sócio em matéria de sapatos! Prazer conhecer um pouco de você e de sua obra!

Mensagem de Antônio, via WhatsApp.
Agora, sim. Eu já no meu destino há algumas horas e meu novo amigo, em Barreiras. Quando cheguei à Ibotirama, entrei em contato como Gilberto e ele prontamente foi me dar as boas-vindas. Antes, porém, de me levar ao hotel, passou em sua casa e me deu cópias das 20 poesias concorrentes, para que eu pudesse apreciá-las com antecedência e calma.

Acomodado no Hotel Atlanta, ainda era cedo, fui tomar meu café da manhã. Lá, tive uma agradabilíssima surpresa. Encontrei meu conterrâneo e amigo, morador em São José do Rio Preto, em São Paulo, o inspirado e competente compositor, músico, escritor e pesquisador Josiel Rusmond, acompanhado dos filhos Bubu e Little John, numa mesa com mais duas mulheres, as cantoras e compositoras Eloah Monteiro e Joana Terra
, que, assim como ele, fariam parte da mesa do júri no 49º Festival de Música Popular de Ibotirama (FEMPI).

Encontros e reencontros foram acontecendo. E, naquele mesmo dia, final da tarde, chegou o professor da Universidade do Oeste da Bahia (Ufob), campus de Santa Maria da Vitória, o amigo Cícero Félix e a esposa Anne Stella, que, assim como eu, ele seria jurado na final nacional do concurso de poesia.

À noite, uma sexta-feira 16, aconteceu a fase eliminatória do FEMPI, ocasião em que 10 músicas foram selecionadas para a grande final que aconteceria no domingo, dia 17. E foi nesse ambiente festivo que reencontrei, depois de alguns anos, minha ex-colega do Banco do Estado da Bahia, o Baneb, Irany Cardoso, minha querida Nini, que me apresentou novos amigos, Laurindo e Sílvio Ferreira, ex-banebiano, como eu e minha amiga ibotiramense.

Durante todos esses dias ainda encontrei alguns amigos virtuais, que passaram a ser reais, finalmente. Dentre eles, Marcelo Nunes e Reginaldo Novais Belo. Reencontrei Júnior Japonegro, poeta são-gabrielense, as meninas da Ciranda Embolada, Joyce, Crisna e Priscila, e Paulo Araújo. Além fazer novos amigos tais como Pingo, João Filho, Reizinho, Elisa Goritzki, Igor Trovanova, o prefeito Láercio Santana, o secretário de cultura André Gessé, e outros tantos que a memória teima em não deixar vir a lume.

A final do FEPI, o festival de poesia, aconteceu no sábado, à noite, dia 16, quando os jurados, Tâmara Rossena, Daniela Galdino, João Filho e eu, Novais Neto, tivemos a imensa responsabilidade de avaliar 20 poesias. No entanto, como em todo festival, há os que saem satisfeitos com o resultado e outros, infelizmente, que se sentem mal avaliados. Repito, aqui, por esta razão, a emblemática frase dita pelo cantor e compositor brasileiro Geraldo Vandré, em 1968, durante o 3º Festival Internacional da Canção, realizado no Maracanãzinho, na Cidade Maravilhosa:

– A vida não se resume a festivais! – Esta frase, por sinal, pela sua profundidade, tornou-se um símbolo da resistência cultural e um marco na história da música brasileira, vivida nas décadas de 1960 a 1980, durante os duros anos da Ditadura Militar em nosso País.

Em síntese, esta crônica, que embora tenha começado por um risível episódio, a troca de sapatos durante a viagem, é de agradecimento principalmente a Gilberto Morais, e não poderia terminar de forma tão séria e formal. Afinal, a vida também é feita de sorrisos, principalmente de boas lembranças. E uma delas, eu não poderia deixar de registrar.

Durante a apresentação dos avaliadores, feita pelo locutor Cleiton Silva, o poeta repentista, compositor, radialista, declamador e aboiador, o paraibano Onildo Barbosa, assim me convidou a tomar posse na mesa de jurados:

Só está faltando uma mesa
E é do nosso Novais Neto,
Que vem a Ibotirama
Crescer o nosso projeto,
E encher a nossa alma
Da sola do pé ao teto!


E arrematou:

– Vem, João Neto! Vem, poeta!


E assim, naquela mesa de jurados, que já havia, do meu lado direito, João Filho, eu virei o filho de João Filho: João Neto. Que maravilha, amei verdadeiramente, sem qualquer sarcasmo, meu querido Onildo Barbosa, porque sou daqueles que entende e curte, que, se as coisas acontecerem tudo certinho, dentro dos conformes, sem as gafes, menos histórias teríamos a contar. Talvez, motivos para sorrir e festejar.

Obrigado, uma vez mais, por tudo de bom e positivo que este festival a mim proporcionou. Sou gratíssimo. E espero que outros festivais hão vir, cada dia melhor. Parabéns aos seus organizadores.


(Foto do par de sapatos. Disponível em: https://cdn.smith-wessonforum.com/attachments/654/654553-1c93c4e23a3596527c5832a308be22da.jpg?hash=wPByG1Qhw0. Acesso em: 19 out. 2025.)

Mais fotos do 41º Festival Nacional de Poesia de Ibotirama (FEPI)

Ponte sobre o Rio São Francisco, Iboritama, Bahia, Brasil.






Novais Neto (primeiro plano), na mesa de jurados.



Novais Neto, Niny, Laurindo e Sílvio.


Novais Neto, Niny, Sílvio e Cícero Félix.


Novais Neto, Júnior Japonegro e (?).

Novais Neto, Cícero Félix e Paulo Araújo.

Novais Neto e Reginaldo Novais.

Novais Neto, Marcelo Nunes e João Miguel (Pingo).

Novais Neto, Anne Stella, Cícero Felix e Gilberto Morais.

Elisa Goritzki e Novais Neto.

Airton Vieira, Cícero Félix e Novais Neto.

Cícero Félix, Reizinho, Leda Sacramento e Novais Neto.

(?), Anne Stella, Cícero Felix, Novais Neto, Paulo Araújo, Sílvio, João Filho e (?).

Láércio Santana (prefeito de Iboritama) e Novais Neto.


Igreja Matriz de Nossa Senhora da Guia.

Novais Neto e Cícero Félix.

(?), Márcia Nascimento, Cícero Félix, Novais Neto e Airton Vieira.
Embaixo, crianças que não as identifiquei ainda.


Josiel Rusmont, Eloah Monteiro, Joana Terra e Novais Neto.

Novais Neto e uma gigantesca carranca.

Novais Neto e Gilberto Morais.


Onildo Barbosa (locutor, repentista).

Cleiton Silva (locutor)

Márcia Nascimento a declamar Maria de Fulano”, poesia vencedora.

Crisna Imhof, da Ciranda Embolada, declamando poesia de Igor Trovanova
em homenagem a Wilson Aragão, cantor e compositor baiano.


Novais Neto e Irani Cardoso (Niny).

Quem sou

Raimundo Neto, radialista

Anos atrás, exatamente no dia do meu aniversário, 24 de outubro, recebi um áudio da poesia “A doce química do seu olhar volátil”, do amigo R...