segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Crônica para meu sócio em matéria de sapatos

Esta crônica rememora e registra momentos indeléveis e risíveis do 41º Festival Nacional de Poesia de Ibotirama (FEPI), desde o momento em que saí de Salvador até meu retorno.

Entre os dias 14 e 17 de agosto de 2025, estive na cidade baiana de Ibotirama, para participar do 41º Festival de Poesia (FEPI), na condição de jurado. Vale registrar que, no ano de 1988, no 3º FEPI, também lá estive para defender minha poesia “Desventuras humanas”, incluída no meu primeiro livro, “Flutuando na areia”, que veio a integrar o roteiro da novela “Tieta”, da Rede Globo de Televisão.

Em duas outras ocasiões, participei como jurado daquele famoso festival. No ano de 2019 e, virtualmente, em 2020, por conta da pandemia da Covid 19. Todas as oportunidades foram gratificantes e enriquecedoras para minha trajetória como pretendente a poeta, quiçá, escritor. Ibotirama é um celeiro de grandes artistas, onde, naqueles dias festivos, deparamo-nos com pessoas singulares, magistrais e receptivas, sobretudo.

Jurados: Tâmara Rossena, Cícero Félix, Daniela Galdino, João Filho e Novais Neto.
Vista do Festival a partir do palco.
Convidado que fui, por Gilberto Morais, coordenador de cultura local, embarquei na rodoviária de Salvador, dia 17, à noite, com destino à Capital Céu, como carinhosamente seus habitantes a apelidaram. Ou ainda, Cidade Sol, como anunciado pelos locutores durante a realização das atividades musicais e poéticas, quando Ibotirama completou 67 anos de emancipação político-administrativa.

No início da viagem, quando já me havia acomodado dentro do ônibus, numa poltrona do corredor, eis que chega um simpático cidadão, de sorriso contido, vira-se para mim e, em tom de gracejo, diz:

– Eu vou apertar a sua mente!

– Fique à vontade – lhe respondi no mesmo tom. E ele continuou:

– Minha poltrona é da janela, gostaria de passar. Serei seu vizinho até Barreiras.

Aquele rapaz brincalhão sentou-se na poltrona. Aproveitei e lhe disse que iria só até Ibotirama para participar de um festival de música e poesia. Quanto a ele ter dito que iria “apertar minha mente”, referiu-se à camisa que eu trajava, na qual havia a original frase nascida na Cidade de Salvador, “Não aperte a minha mente”.

Meu companheiro de viagem não “apertou minha mente” como prometido. Trocamos mais algumas palavras, ele pôs uma máscara, virou para o lado e não me deu mais ousadia. Claro sinal de que não queria papo. Entendi e o deixei em paz nos braços de Morfeu.

Um tanto sonolento, percebi quando o ônibus chegou na rodoviária de Feira de Santana, mas não notei quando ele voltou a seguir viagem. Somente, quando chegou ao Posto Carne Assada, na BR-116, 
em Itaberaba, ponto de parada para os passageiros fazerem lanche e estirarem as pernas. Sempre desço naquele lugar, não necessariamente para comer alguma coisa, mas, sobretudo, para fazer o sangue circular, exercitar o nosso segundo coração, as panturrilhas.

Como eu costumo tirar os tênis durante a viagem, procurei-os ainda no escuro dentro do ônibus para calçá-los e descer. E foi o que fiz. Fui até o banheiro e voltei andando, “na maresia”, como dizem os soteropolitanos, exercitando as pernas e a andar lentamente, sem qualquer pressa. Eis que, na minha direção, vem um cidadão pulando de um pé só, no estilo saci, com um sapato em uma das mãos.

Olhei para ele e pude notar que era alguém parecido com o rapaz que estava ao meu lado dentro do ônibus. De início, achei estranho, pois quando ele entrou naquele transporte, em Salvador, não mancava, andava, sim, normalmente. Ele, então, olhou para mim e foi enfático:

– Você pegou o meu sapato!

A foto a seguir, produzida propositalmente ou não, que me foi enviada em memes de WhatsApp, ilustra de alguma forma a cena que protagonizei naquela noite morna, no ermo, diante de uma plateia de curiosos viajores, muitos deles, sonolentos e bocejantes.

Foto: Reprodução / Internet. Vide link no final.
Por conseguinte, eu, meio atordoado, levantei um pouco as calças e nada vi de estranho. Só depois, quando “a ficha caiu”, é que percebi algo diferente: estava com o pé direito do meu sapato, sem cadarço, e um do dele, com cadarço, ambos de cores escuras, por isso não notei a diferença. Fizemos a troca, e disse para ele e para uma pequena plateia de viajores, atônitos, de olhos arregalados, a conterem traiçoeiros risos, em tom de graça, porém, meio escabreado:

– Isso vai virar uma crônica! Bem que minha filha me fala que sou doido! ­– E fiquei por ali mesmo a aguardar o embarque para a continuidade da viagem.

Minutos depois, aquele cidadão voltou, andou em minha direção, novamente lhe pedi desculpa e reafirmei o que já havia dito: “isso vai virar uma crônica”. Ele, então, me perguntou se eu era escritor. Respondi positivamente e lhe passei meu cartão de visita. Antônio, seu nome, agora já sabedor, manuseou com curiosidade o cartão, disse-me que também é da Família Novais, só que de Avaré, interior de São Paulo, muito embora a grafia da dele seja com “e”, Novaes. Chegou mesmo a mostrar um grupo de WhatsApp familiar com este sobrenome, com uma foto da matriarca, sua avó.

Entramos novamente no buzu e demos continuidade ao nosso bate-papo, a esta altura, cheio de novidades. Disse-lhe, segundo li, há bastante tempo, num site da capital paulista, que os primeiros Novais chegados ao Brasil Colonial, foram quatro irmãos: um deles ficou em São Paulo; outro seguiu para o Paraná; o terceiro veio para a Bahia e o último, para Pernambuco, justamente, os estados onde mais aparece tal sobrenome. Portanto, os Novais ou Novaes possivelmente têm origem comum.

Nossa conversa seguiu animada e cheia de novidades, até que o sono novamente nos ganhou. Mais tarde, presenteei-lhe meu livro “Meu lugar é aqui no Centenário de Santa Maria da Vitória”. E finalmente, às 7h30, cheguei ao meu destino, Ibotirama. Antônio continou sua viagem para Barreiras, com o compromisso de voltarmos a nos encontrar em Salvador, onde também mora e curte a cidade com seu patinete, segundo me contou.

No final daquela manhã, um tanto fria para os padrões da região, recebo a seguinte mensagem, via WhatsApp:

– Olá Novais Neto. Aqui é Antonio, seu sócio em matéria de sapatos! Prazer conhecer um pouco de você e de sua obra!

Mensagem de Antônio, via WhatsApp.
Agora, sim. Eu já no meu destino há algumas horas e meu novo amigo, em Barreiras. Quando cheguei à Ibotirama, entrei em contato como Gilberto e ele prontamente foi me dar as boas-vindas. Antes, porém, de me levar ao hotel, passou em sua casa e me deu cópias das 20 poesias concorrentes, para que eu pudesse apreciá-las com antecedência e calma.

Acomodado no Hotel Atlanta, ainda era cedo, fui tomar meu café da manhã. Lá, tive uma agradabilíssima surpresa. Encontrei meu conterrâneo e amigo, morador em São José do Rio Preto, em São Paulo, o inspirado e competente compositor, músico, escritor e pesquisador Josiel Rusmond, acompanhado dos filhos Bubu e Little John, numa mesa com mais duas mulheres, as cantoras e compositoras Eloah Monteiro e Joana Terra
, que, assim como ele, fariam parte da mesa do júri no 49º Festival de Música Popular de Ibotirama (FEMPI).

Encontros e reencontros foram acontecendo. E, naquele mesmo dia, final da tarde, chegou o professor da Universidade do Oeste da Bahia (Ufob), campus de Santa Maria da Vitória, o amigo Cícero Félix e a esposa Anne Stella, que, assim como eu, ele seria jurado na final nacional do concurso de poesia.

À noite, uma sexta-feira 16, aconteceu a fase eliminatória do FEMPI, ocasião em que 10 músicas foram selecionadas para a grande final que aconteceria no domingo, dia 17. E foi nesse ambiente festivo que reencontrei, depois de alguns anos, minha ex-colega do Banco do Estado da Bahia, o Baneb, Irany Cardoso, minha querida Nini, que me apresentou novos amigos, Laurindo e Sílvio Ferreira, ex-banebiano, como eu e minha amiga ibotiramense.

Durante todos esses dias ainda encontrei alguns amigos virtuais, que passaram a ser reais, finalmente. Dentre eles, Marcelo Nunes e Reginaldo Novais Belo. Reencontrei Júnior Japonegro, poeta são-gabrielense, as meninas da Ciranda Embolada, Joyce, Crisna e Priscila, e Paulo Araújo. Além fazer novos amigos tais como Pingo, João Filho, Reizinho, Elisa Goritzki, Igor Trovanova, o prefeito Láercio Santana, o secretário de cultura André Gessé, e outros tantos que a memória teima em não deixar vir a lume.

A final do FEPI, o festival de poesia, aconteceu no sábado, à noite, dia 16, quando os jurados, Tâmara Rossena, Daniela Galdino, João Filho e eu, Novais Neto, tivemos a imensa responsabilidade de avaliar 20 poesias. No entanto, como em todo festival, há os que saem satisfeitos com o resultado e outros, infelizmente, que se sentem mal avaliados. Repito, aqui, por esta razão, a emblemática frase dita pelo cantor e compositor brasileiro Geraldo Vandré, em 1968, durante o 3º Festival Internacional da Canção, realizado no Maracanãzinho, na Cidade Maravilhosa:

– A vida não se resume a festivais! – Esta frase, por sinal, pela sua profundidade, tornou-se um símbolo da resistência cultural e um marco na história da música brasileira, vivida nas décadas de 1960 a 1980, durante os duros anos da Ditadura Militar em nosso País.

Em síntese, esta crônica, que embora tenha começado por um risível episódio, a troca de sapatos durante a viagem, é de agradecimento principalmente a Gilberto Morais, e não poderia terminar de forma tão séria e formal. Afinal, a vida também é feita de sorrisos, principalmente de boas lembranças. E uma delas, eu não poderia deixar de registrar.

Durante a apresentação dos avaliadores, feita pelo locutor Cleiton Silva, o poeta repentista, compositor, radialista, declamador e aboiador, o paraibano Onildo Barbosa, assim me convidou a tomar posse na mesa de jurados:

Só está faltando uma mesa
E é do nosso Novais Neto,
Que vem a Ibotirama
Crescer o nosso projeto,
E encher a nossa alma
Da sola do pé ao teto!


E arrematou:

– Vem, João Neto! Vem, poeta!


E assim, naquela mesa de jurados, que já havia, do meu lado direito, João Filho, eu virei o filho de João Filho: João Neto. Que maravilha, amei verdadeiramente, sem qualquer sarcasmo, meu querido Onildo Barbosa, porque sou daqueles que entende e curte, que, se as coisas acontecerem tudo certinho, dentro dos conformes, sem as gafes, menos histórias teríamos a contar. Talvez, motivos para sorrir e festejar.

Obrigado, uma vez mais, por tudo de bom e positivo que este festival a mim proporcionou. Sou gratíssimo. E espero que outros festivais hão vir, cada dia melhor. Parabéns aos seus organizadores.


(Foto do par de sapatos. Disponível em: https://cdn.smith-wessonforum.com/attachments/654/654553-1c93c4e23a3596527c5832a308be22da.jpg?hash=wPByG1Qhw0. Acesso em: 19 out. 2025.)

Mais fotos do 41º Festival Nacional de Poesia de Ibotirama (FEPI)

Ponte sobre o Rio São Francisco, Iboritama, Bahia, Brasil.






Novais Neto (primeiro plano), na mesa de jurados.



Novais Neto, Niny, Laurindo e Sílvio.


Novais Neto, Niny, Sílvio e Cícero Félix.


Novais Neto, Júnior Japonegro e (?).

Novais Neto, Cícero Félix e Paulo Araújo.

Novais Neto e Reginaldo Novais.

Novais Neto, Marcelo Nunes e João Miguel (Pingo).

Novais Neto, Anne Stella, Cícero Felix e Gilberto Morais.

Elisa Goritzki e Novais Neto.

Airton Vieira, Cícero Félix e Novais Neto.

Cícero Félix, Reizinho, Leda Sacramento e Novais Neto.

(?), Anne Stella, Cícero Felix, Novais Neto, Paulo Araújo, Sílvio, João Filho e (?).

Láércio Santana (prefeito de Iboritama) e Novais Neto.


Igreja Matriz de Nossa Senhora da Guia.

Novais Neto e Cícero Félix.

(?), Márcia Nascimento, Cícero Félix, Novais Neto e Airton Vieira.
Embaixo, crianças que não as identifiquei ainda.


Josiel Rusmont, Eloah Monteiro, Joana Terra e Novais Neto.

Novais Neto e uma gigantesca carranca.

Novais Neto e Gilberto Morais.


Onildo Barbosa (locutor, repentista).

Cleiton Silva (locutor)

Márcia Nascimento a declamar Maria de Fulano”, poesia vencedora.

Crisna Imhof, da Ciranda Embolada, declamando poesia de Igor Trovanova
em homenagem a Wilson Aragão, cantor e compositor baiano.


Novais Neto e Irani Cardoso (Niny).

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

“Matemática ultrarromântica“ na peça teatral portuguesa “Beremiz na Terra Plana“

Publicada no meu segundo livro, Ave Corrente (1991), a poesia Matemática ultrarromântica, posteriormente, singrou mares e foi parar em terras lusitanas na peça teatral Beremiz na Terra Plana (2015), onde se ajustou ao português de Luís de Camões.

Reproduzo, a seguir, texto que publiquei no Facebook em 16 de janeiro de 2016:

NEM SONHANDO...

Por que “Nem sonhando...“? Nem sonhando, mesmo (!), garanto, poderia eu imaginar tão longo voo para algum escrito meu, mas isso aconteceu. A poesia “Matemática Ultrarromântica” foi utilizada pela atriz portuguesa Luzia Paramés, que atuou na telenovela portuguesa “Laços de Sangue”, produção da SIC (Portugal) e da Rede Globo, para criar a peça teatral “Beremiz na Terra Plana”, apresentada na 19ª Mostra de Teatro Almada, Portugal, no dia 20/11/2015. Ela baseou ainda em textos de nossos renomados e mais conhecidos escritores como: Malba Tahan, Clarice Lispector e Millôr Fernandes.

Produções Acidentais


BEREMIZ NA TERRA PLANA | M/12 | 60’

A partir de Edwin Abbott, Malba Tahan, Novais Neto, Clarice Lispector, André Hemerly, Millor Fernandes, António Cabrita

Encenação: Luzia Paramés

20 NOVEMBRO | Sexta | 21H30

AUDITÓRIO FERNANDO LOPES-GRAÇA

Entrei em contato, pelo Facebook, com Produções Acidentais, que me enviou “in box”, a seguinte mensagem: “Boa tarde prezado Novais Neto. Confessamos ainda estar em choque por alguém, que a nós parecia tão longínquo e intangível como tão frequentemente os poetas o são, afinal ‘parecer’ aqui no nosso facebook! Ainda para mais sendo nós uma tão pequena e marginal associação no panorama cultural português. Na verdade, a falha é nossa, por não o termos investigado o suficiente. É mesmo esse seu poema que encantou a Luzia e inspirou um dos trechos da sua última encenação. Já lhe fizemos saber da sua mensagem e por certo ela mesma tentará contactá-lo. Entretanto enviamos-lhe um abraço, um enorme agradecimento pela sua atenção e apoio e a nossa admiração pela sua obra. Bem haja!”.


Beremiz na Terra Plana. Foto: Reprodução/Facebook/Produções Acidentais.



Beremiz na Terra Plana. Foto: Reprodução/Facebook/Produções Acidentais.

Beremiz na Terra Plana. Foto: Reprodução/Facebook/Produções Acidentais.




























Beremiz na Terra Plana. Foto: Reprodução/Facebook/Produções Acidentais.


































Beremiz na Terra Plana. Foto: Reprodução/Facebook/Produções Acidentais.

















Veja sites para consulta:

domingo, 13 de julho de 2025

Memórias do futebol santa-mariense, ano de 1991

Nesta crônica, publicada em 1992, no Jornal O Posseiro, de Santa Maria da Vitória (BA), rememoro momentos marcantes do Campeonato de Futebol local do ano de 1991, da outrora Cidade Riso, como era chamada.

Caros leitores,

Os imprevistos da vida quase sempre nos põem ante o inexplicável. Quando fatos tomam o endereço da tragicidade e levam brusca e incompreensivelmente vidas viçosas, percebemos, desse modo, quão frágil é nossa existência.

Exemplo disso é o desaparecimento estúpido de João Evangelista de Souza, Bega de Sinhô de Valdete, vitimado por acidente automobilístico em 2/5/1992 na estrada entre Santa Maria da Vitória e Santana. Jovem extrovertido, hábil e astucioso goleador do Monte Castelo, clube santa-mariense.

* * *

Em setembro de 1991, redigi a crônica “O esporte bretão em alta” para o jornal “O Posseiro”, de Santa Maria da Vitória. Entretanto, fatos alheios às vontades deste redator e do editor, Joaquim Lisboa Neto (Kynkas), impediram que o texto fosse levado a público, tornando-o extemporâneo. Agora, por circunstâncias indesejáveis ­– a morte do atleta Bega – a crônica justifica por si só a publicação.

A seguir, portanto, publicamo-la, primeiro, porque se intenta que seja uma homenagem póstuma ao conterrâneo e amigo Bega, aos familiares e aos desportistas da nossa terra. Segundo, porque a mesma tem caráter de retrospectiva, útil aos amantes do futebol. Desse modo, por estas e outras razões que vão além de explicações meramente racionais, ei-la, portanto, revista e ilustrada:

O esporte bretão em alta


Durante todo o mês de agosto de 1991, estive em Santa Maria da Vitória (BA). E para mim – o que não constitui novidade – é motivo de êxtase e grande bênção pisar aquela terra, apesar de alguns de seus dirigentes maltratarem-na, num flagrante desrespeito ao nosso rincão.

Daquela feita, no entanto, as maiores emoções e surpresas não aconteceram, necessariamente, no mundo das letras, mas no Estádio Municipal Turíbio de Oliveira, o Turibão. Todo domingo lá estava eu assistindo às rodadas do campeonato local. Vi grandes equipes e verdadeiros malabares da bola.

Ao contrário dos grandes centros futebolísticos, onde as torcidas vivem a fugir espavoridas dos estádios – consequência inegável do baixo nível técnico das equipes (além das intermináveis desilusões em copas do mundo) e da política mercenária de cartolas. Ali, os amantes do esporte se fazem presentes em números ascendentes. Creditam-se, sem dúvida alguma, ao espírito amadorístico dos atletas e a eficiente cobertura e divulgação dadas pela Rádio Rio Corrente através dos seus locutores Nildo Reimão e Mário Silva.

Na pista de jogo do Turibão, desfilaram times que, vistos por este observador (também “metido” a técnico de futebol como milhões de brasileiros os são), equilibraram o certame da Cidade Riso, tais como: Monte Castelo, Castro Alves, África e Sambaíba. As demais equipes, sem demérito algum por serem citadas em segundo plano, em muito contribuíram para tal equilíbrio. São elas: Vila Leopoldo, comandada pelo veterano e experiente Terto de Toge, Açudina (distrito de mesmo nome), Vasco (Cuscuzeiro), Rodoclube, Malvão e Monte Real (Barreiro da Canabrava).

Se por um lado, bons times encheram-me os olhos, em matéria de torcida animada, o Sambaíba Futebol Clube, do bairro, outrora rural, onde vivi minha infância e parte da juventude, tem o duodécimo jogador. Guardadas as devidas proporções, sua torcida se assemelha em muito à apaixonada massa rubro-negra do Esporte Clube Vitória (BA). O Aurerrubro, do bucólico bairro, o primeiro da cidade, vale registrar, também sabe retribuir com garra e bom futebol.

Que me perdoem os torcedores do Monte Castelo (Tampinha, também seu jogador) e do Castro Alves (Guinha, seu presidente), vocês estão assistindo a verdadeiras aulas de motivação e amor ao esporte, o que é bom para todos. Alguns – cabe aqui uma ressalva – deixavam-se exagerar nas doses da “água-que-passarinho-não-bebe” e principiam tumultos. Tudo, no entanto, que não terminassem em aperto de mãos.

Quando o jogo, vez por outra, não está agradando, lá eles encontraram uma fórmula mágica e salutar de prender o torcedor. Nos intervalos, promovem disputadas corridas (com direito a aposta e tudo mais) entre “atletas velocistas”, quase sempre “movidos a álcool”, frenesiando a multidão.

Por trás desse fato positivo para o progresso desportivo santa-mariense, há um registro triste a fazer: a repentina perda de uma assídua torcedora, dona Valdete. Todo domingo lá estava ela e com seu inseparável companheiro, Sinhô, a levar fluídos positivos a seus filhos, Bega, excepcional centroavante monte-castelino, e o irmão Christiano, o Renato Gaúcho do Rodoclube. Estão aí, portanto, belos exemplos a serem seguidos.

Quando, por um lado, o desemprego é a principal ocupação de muitos e a escola não vem cumprindo seu papel, o esporte, ainda que não garanta futuro, é um meio eficaz para integração, como também para evitar a degeneração dos jovens, segmento social muito vulnerável aos tropeços da vida.

É importante deixar bem claro, no entanto, que a escola, mesmo distante de oferecer iguais condições de progresso a todos, é imprescindível e, esforçando-se um pouco mais, as possíveis deficiências poderão ser facilmente superadas e/ou minimizada, e não haverá motivos para ignorá-la. Jamais!

O certame


O Campeonato de Futebol de Santa Maria da Vitória, edição 1991, encerrou-se em outubro, tendo participado do mesmo 10 agremiações esportivas: 3 do interior do município e 7 da sede, o que resultou na realização de 51 confrontos. Foi uma competição muito disputada, havendo equilíbrio técnico entre as equipes, razão porque levou bom público ao Turibão em quase todos os jogos.

A Associação Atlética Castro Alves sagrou-se campeã do certame 
ao derrotar o arquirrival Clube de Regatas Monte Castelo numa disputa de pênaltis, depois de empate sem gols no tempo normal e na prorrogação.

A equipe alviverde santa-mariense foi o destaque em toda a competição. Ganhou o primeiro e o segundo turnos, invicto, tendo extraordinária performance, senão vejamos: empatou 4 vezes e, em 8 oportunidades saiu vitoriosa. Seu ataque fez 27 gols contra 10 sofridos pela defesa. O goleador do time foi Tim de Lídio, que conseguiu vencer os goleiros adversários em 10 oportunidades.

Nas disputas com o Monte Castelo, continuou fazendo o mais empolgante clássico da cidade, o dérbi local, levando muitos torcedores ao extremo das emoções. E não é para menos: em 1991, os dois times defrontaram-se 4 vezes, sem que houvesse vencedor nos 90 minutos. E, a contabilizar Torneio Início, partidas e prorrogações, jogaram 360 minutos e marcaram 6 tentos.

Em termos mais práticos, para mostrar a grandeza dos confrontos entre as duas equipes, é como se elas tivessem se defrontado por 6 horas – ininterruptamente – marcado um gol a cada hora e, no final da batalha campal, lá estivesse estampado no placar: 3 a 3. Eis, portanto, o inacreditável equilíbrio.

Nas disputas de penalidades máximas, entretanto, o Castro Alves foi superior, tendo vencido todas elas: 5 a 3; 5 a 4 e 3 a 2, graças principalmente aos filhos do padeiro Lídio: Amarildo, Amauri e Tim, implacáveis nas conversões penais, o que já garantia, de antemão, 3 gols para o alviverde santa-mariense.

Restou ao Monte Castelo a grandiosa façanha de não perder uma única partida com “bola rolando” em todo o campeonato, quase sempre abrindo o placar e permintindo o empate; ter o ataque mais eficiente (34 gols marcados); ter o artilheiro da competição, Neinho de Silerino, com 15 tentos, e ser, com méritos inquestionáveis, um respeitadíssimo e quase imbatível Vice-Campeão.

Parabéns a todos que fazem o bom futebol da nossa Santa Maria da Vitória, carinhosamente apelidada Cidade Riso.

Agradecimentos:

A William Chagas de Oliveira (Guinha de Adão Bodeiro), então presidente da Associação Atlética Castro Alves, que me passou, na ocasião, toda a estatística daquela competição esportiva;

A Josenilton Ramos Sodré (Mimiu), natural de Bom Jesus da Lapa, jogador de futebol em vários times da região Oeste da Bahia, inclusive de suas seleções, residente em Santa Maria da Vitória desde de 1987.

A Nildo Reimão, um dos fundadores do Sambaíba, Wilson Pereira, Mazinho de Silerino e Bira do Bar.

Referências:

REIMÃO, Antônio Nildo. A fé é preciso… Sem exagerar. In: Jornal O Posseiro, ano 5, n. 79, maio / 1991, p. 10. Disponível em: http://www.cpvsp.org.br/upload/periodicos/pdf/PPOSSBA051991079.pdf. Acesso em: 10 jul. 2025.

sábado, 19 de abril de 2025

"Bom dia, minhas 100 pombas"

Dias atrás, ao visitar minhas memórias afetivas mais remotas, guardadas nos escaninhos atemporais, deparei-me como o início dos anos de 1970, mais precisamente o ano de 1971, quando ingressei no Curso Ginasial, no então Ginásio Comercial de Santa Maria da Vitória, que posteriormente viria a ser o Centro Educacional Santamariense (sic).

A alegria era imensa, dentro de uma camisa cáqui, de mangas compridas e calça de tergal de igual cor. No debrum da camisa, havia um traço indicativo do ano em que o aluno estudava. Aqueles que ostentavam quatro tracinhos, esnobavam. Eu ainda não. Feliz, estava meu pai, Tião Sapateiro, ao ver meu progresso, quando me fez uma revelação matemática que me deixou deverasmente curioso.

— Quando você for estudar Álgebra Elementar, começar a fazer contas não somente com números, mas com letras também, você vai ver como a Matemática é bonita.

Aquilo me fez pensar muito no que seria operar com letras e números ao mesmo tempo. Tião Sapateiro só estudou até o terceiro ano do antigo Curso Primário, porém, tinha sempre às mãos livros de Aritmética, como os do matemático luso-brasileiro Antônio Bandeira Trajano. Sua diversão era resolver questões envolvendo cálculos. E quase sempre me chamava para participar. Imagina!

Quando, finalmente, comecei a estudar a tal Álgebra, contei-lhe com alegria a novidade. Meu pai, então, apresentou-me uma história que parece haver retirado de livros dos tempos da Carochinha, tempos em que os bichos falavam e ave columbina não era presa para gavião, voraz ave de rapina. Eis o que ele me narrou, logo de manhã, quando me preparava para estudar:

— Numa manhã, um imponente gavião real pousou em uma árvore repleta de pombas brancas, e as cumprimentou, solenemente:

— Bom dia, minhas 100 pombas!

— Bom dia, gavião – respondeu uma delas, que fez algumas ressalvas:

— Cem pombas não somos nós; com outro tanto de nós; com a metade de nós; com a quarta parte de nós, e contigo, gavião, seremos 100.

Finalizada tão graciosa e imagética narrativa, meu pai fez a pergunta inevitável:

— Quantas pombas havia naquela árvore? – E, juntamente com Darci de Seu Abelino Novaes, seu amigo sapateiro, que estava na tenda, ele olhou para mim e esboçou um tímido sorriso no canto da boca, a mostra um ponto de ouro em um de seus dentes, num claro sinal de desafio.

Não sei se resolvi logo, de primeira. Não me recordo que ele tenha me ajudado, todavia, acredito que sim. E achei a resposta da imaginativa questão, que levei para sala de aula, mostrei aos colegas e ao professor de Matemática, Tércio Santana, de apelido Tutes.

Se você, por outro lado, não achou a resposta (ou sequer tentou encontrá-la), a resolução está no final desta crônica. Não se preocupe. Tentei ser bem didático.

Tempos depois, ainda estudante ginasiano, no também distante ano de 1974, o mesmo Centro Educacional onde estudava, abriu as portas para um curso de Eletricista Instalador, realizado nas férias juninas daquele ano, promovido pelo SESI/SENAI e ministrada pelo professor soteropolitano Wilson Bezerra, ex-aluno da Escola Técnica Federal da Bahia.

O curso foi muito bom e proveitoso, pois, ao final dele, consertamos a instalação elétrica do colégio e fizemos a primeira ligação com interruptor three way da nossa cidade, num comprido corredor da escola. Do curso, participaram, além deste que escreve, Charles de Adão Bodeiro, Zé Sugesta, Nem de Tenente, Isoterano, Neto de Seu Antônio Teixeira, Agnelo de
Donaricota, dentre outros.

Ao término do referido curso, nosso professor deixou uma questão de Matemática como lembrança de sua passagem por Santa Maria da Vitória. Na ocasião, o mestre fez a seguinte pergunta:

— Que horas são, se, para terminar o dia, faltam dois terços do que já passou?

Ele nos deixou tão somente a resposta e nenhuma dica a mais que pudesse nos ajudar. E partiu. Nunca mais tivemos notícia dele. Também, é verdade, não o procuramos. Naquele tempo não era fácil como hoje. Nem telefone havia na cidade.

Nos dias seguintes, em nossos passeios noturnos pela linda, romântica e acolhedora Praça do Jacaré dos anos primeiros, sempre nos encontrávamos, nós, ex-alunos de Wilson, e questionávamos sobre o problema por ele deixado. Uns nem tentaram, outros, como Agnelo, por exemplo, tentaram e resolveram, inclusive este cronista.

Agnelo de Donaricota, cujo nome é Agnelo Alves do Nascimento, que se autodeclarava goleiro profissional, acabou por incorporar a forma reduzida, Profissi, ao próprio nome, ficando conhecido, nos campos de futebol, como Agnelo Profissi. Amigo de infância e colega ginasiano, Profissi veio a ser um dos mais festejados professores de Matemática de várias gerações de alunos, fato que acabou por homenagear nosso mestre Tutes.

Por outro lado, quantos aos desafios matemáticos propostos, a resolução da historinha das pombas brancas está no final desta crônica. Se você também tentou encontrar a resposta, parabéns. Se não, pelo menos leu meu texto até aqui. Por isso mesmo, meu muito obrigado!

Ainda quanto à questão das pombas, ela me fez lembrar o livro “O homem que calculava”, do romancista brasileiro, nascido na cidade do Rio de Janeiro, Malba Tahan, heterônimo de Júlio César de Mello e Souza, engenheiro civil e professor de Matemática, em que ele narra a história de um árabe, que teria morrido, e deixado de herança para seus três filhos, 35 camelos a serem divididos segundo as frações: 1/2, 1/3 e 1/9. Esta, no entanto, é mais outra bela poranduba matemática.

Em relação à pergunta das horas, deixada pelo professor Wilson, ela me remeteu a determinado professor de curso pré-vestibular, do qual não me lembro o nome, que nos alertou quanto a questões de Matemática com poucos dados, como foi esta, que envolve interpretação textual. As que têm muitos dados, como o problema das pombas, normalmente são menos difíceis. Será mesmo?

Por fim, em ambas inquirições aritméticas, fico jubiloso quanto à beleza da benquista “Filha do Lácio”, nossa maravilhosa Língua Portuguesa, que consegue, mesmo numa ciência exata como Matemática, criar um cenário deveras onírico que, possivelmente, acabará por despertar até o mais retraído ou disperso aluno. Penso eu!

* * *

Agradecimento aos amigos e colegas da Transalvador, Jailson Cerqueira e Alan Lima, professores de Matemática, por confirmarem minhas respostas. E ao também colega e amigo Marcus Figueiredo, que ler meus escritos antes de publicá-los, o que muito me auxilia nas correções. Obrigado a todos! 

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domingo, 15 de dezembro de 2024

Historieta zodiacal

Às vezes, a vida nos surpreende tão imponderavelmente que nem mesmo o mais invulnerado coração pode prever e prevenir-se de algo que não desejaria. Certo casal, aparentemente inabalável, a viver muito bem o seu papel, estava prestes a descobrir que nem todo amor é para sempre.

O relacionamento parecia sedimentado no mais puro amor e, apesar de oscilações normais de todo casal de namorados, ninguém duvidava de que um final feliz inexoravelmente viria. Mas, muitas vezes, tudo é só questão de tempo! E o tempo é o Senhor da Vida.

O (in)esperado acontece: aquele casal separa. Cada um vai para o seu canto, tentando, de alguma forma, recomeçar, superar tristezas, mágoas e, claro, zelar pelas boas recordações deixadas. Os fatos estão aí para confirmar o clichê de que “a vida é um eterno recomeço”.

Passaram-se dias, meses e tudo parecia bem distante e calmo, quando então a vida os deixa frente a frente e amor do passado deu sinais de renascimento. Tiveram uma conversa amável. Depois, entrecortada por instantes de silêncio, questionamentos etc. Por fim, até meio desconexa. No entanto, portaram-se como pessoas adultas e conscientes de que cada um representa para o outro. Claro, o saldo foi bem positivo. Valeu o reencontro, pelo menos ficou flagrante de que uma amizade muito bonita poderia florescer. Há quem não duvida de que amizade é miniamor.

Este reencontro aconteceu num sábado, à noite, de um mês qualquer, de um ano já bem distante. Depois dele, cada um seguiu seu caminho, levando certamente o desejo de tentar de novo. Porém, em nome daquilo a que se chama razão, prometeram, cada um a si mesmo, “que dariam mais um tempo”. E o casal promissor de outrora continuou separado.

O lado pitoresco ou tragicômico que deu motivo a esta historieta aconteceu logo no domingo seguinte. Depois de encontrar-se desperto de um sono tranquilo e reparador, no entanto, ainda muito ensimesmado e distante, a relembrar naturalmente o papo que mantivera na noite passada com sua ex-musa, ele resolveu comprar um jornal numa banca mais próxima, para saber, dentre outros assuntos, das novidades do seu time preferido, o Tricolor Carioca. Estava a fim de espairecer!

Despreocupadamente, viu crônicas esportivas e deu uma espiadela no noticiário político. Sem mais o que fazer, passou a ler o Caderno de Lazer & Informação e se deteve na seção sobre Horóscopo, do Jornal A Tarde, de Salvador. Embora seja assunto pouco atrativo para si, lembrou-se do reencontro do dia anterior com a ex-namorada e, por via das dúvidas, achou prudente conferir as predições sobre o amor.

Ao ler e reler as previsões zodiacais daquele periódico, notou que ali se tratava de algo por demais burlesco, para entretenimento, e não escritos sérios da astróloga Madame SulaMita, como ele imaginou. Ainda assim, responsabilizou o destino ou, mais grave ainda, amaldiçoou a fatalidade.

Escritos em hilariante “portunhol”, reproduzo, ipsis litteris, os conselhos funestos do Horuescopo de Madame SulaMita, para o signo de Escorpión (o dele):

Non hay jeito, amiguito. Poña uno disco de Dalva de Oliveira en la radiola, apague la luz e vá curtir su passion. Su única saída és uno copo de viño, uno ombro amigo e el bolero, de los anticos. O uno tango. Argentino. Puedes optar. Solo non puedes esperar el retuemo de su amor. Isto non acontecerá. Mas tanbién puedes optar por su viziño. Non convence. Más consuela.

Para o signo de León (o dela), fazendo as devidas adaptações, visto que o Horuescopo de Madame SulaMita pareceu-me destinado ao público masculino, ele constatou predições ainda mais sombrias:

Mi amigo, olvida este amore que non tien más nadie a ver. Que más tu espieras deste relacionamiento? Que ela vuelte para ti? Puedes desistir e partir para otra. Mi bolita me muestra su mujer en una bella playa, con uno gato de fechar comércio e una tanguita de subir até el valor del cruzado. No bicho, cabrón.

E aí, como justificar uma brincadeira inofensiva de jornal que, parcialmente, revelou-se um fato? Pelo menos, certo é que, para ambos, uma das “previsões” foi certeira e fatalística: “Solo non puedes esperar el retuerno de su amor. Isto non acontecerá”.

E... não aconteceu! Os dias futuros confirmaram o vaticínio da Madame SulaMita.

Finalmente, de quem é a culpa? Do destino? Da fatalidade? Ou, comodamente, diria que são fatalidades do destino? Não importa quais sejam as respostas, elas, decerto, não justificarão os desígnios da sorte. Ou da vida.

Agosto/1988

Referência:
NOVAIS NETO. Flutuando na areia. Edição do autor: Salvador, 1988. 112p, p. 103.

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Crônica para meu sócio em matéria de sapatos

Esta crônica rememora e registra momentos indeléveis e risíveis do 41º Festival Nacional de Poesia de Ibotirama (FEPI), desde o momento em q...